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Políticas culturais: entre o otimismo da vontade e o pessimismo da razão

Neste início de ano, a Ação Educativa retoma suas atividades em meio a um cenário complexo para o campo de organizações de defesa de direitos. Muitas são as questões colocadas aos movimentos sociais e todos/as aqueles/as que atuam na promoção da igualdade e lutam pelos consolidação dos direitos humanos. Pensando nisso, a organização publicará uma série de editoriais que analisam o contexto social das áreas de Cultura, Educação e Juventude. Confira as perspectivas para Cultura nacional neste artigo de Eleilson Leite, coordenador desta área na instituição.

As políticas culturais em 2015 surgem num misto de esperança e incerteza. O paradoxo do momento atual se justifica pela expectativa gerada com a volta de Juca Ferreira ao Ministério da Cultura. Para os paulistanos é também motivo de festa a permanência de Marcelo Mattos Araújo na Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo e a chegada de Nabil Bonduki ao comando da secretaria na capital paulista, substituindo o atual ministro que por dois anos ocupou esse mesmo cargo. Um time assim seria certeza de um horizonte de grandes avanços. Seria, não estivessem todos eles imersos em pastas com sérias restrições orçamentárias. O ajuste nas contas públicas não é privilégio do Governo Federal. Em todas as esferas de governo só se fala em cortes, contingenciamentos e cancelamentos de projetos e programas. Do que adianta um Neymar e uma Marta com uma bola furada e um gramado esburacado? Essa é um pouco a sensação causada pelo contraste por termos nomes de destaque pilotando uma máquina emperrada por falta de recursos para investimentos. E para piorar, os parlamentares nas diferentes casas legislativas aparecem como uma torcida que atua contra o time.
Esse ambiente institucional complicado põe em xeque a pauta do Sistema Nacional de Cultura – SNC, cuja efetivação em nível nacional só se realiza precedida de sua implementação nos Estados e municípios. No nível local, o SNC anda a passos lentos, dado o baixo nível de institucionalidade das políticas culturais nas cidades médias e pequenas e pela falta de prioridade da qual padece a área cultural nos governos estaduais. Mesmo em nível federal, o fato de ter de volta o ministro do presidente Lula é pouco frente ao quadro de crise que cerca o governo de Dilma Rousseff que se equilibra entre um ministério conservador e um Congresso reacionário. Em um contexto assim, o SNC dificilmente será prioridade. Corrobora essa descrença o fato de o SNC depender da aprovação da PEC (Projeto de Emenda Constitucional) 150 que cria uma LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) para a Cultura estabelecendo um patamar de 2%, 1,5% e 1% do orçamento em âmbito federal, estadual e municipal, respectivamente. É ser otimista demais imaginar o senador Renan Calheiros e o deputado Eduardo Cunha reunindo o Congresso para votar essa matéria. Mas o Juca Ferreira tem manifestado confiança em pautar os parlamentares. O problema é que a senadora Marta Suplicy, sua principal aliada, o elegeu como bode expiatório de suas insatisfações com o PT dirigindo a ele seu ressentimento com a legenda.
Mas há uma janela no campo institucional: a regulamentação da Lei Cultura Viva que dá status de lei para os Pontos de Cultura e outras ações a ele associadas, como uma série de editais que passam a ser políticas de Estado e não programas governamentais. Votada junto com o marco regulatório das ONGs em 2014, a Lei Cultura Viva deveria, assim como a outra, ter entrado em vigor no final do ano passado, mas sua implementação foi adiada para junho de 2015 para fins de adaptação das ONGs, e do próprio Governo, aos novos parâmetros legais. O problema é que essa situação dará chance ao Congresso de coloca-las em pauta novamente e, se considerarmos o perfil da bancada na Câmara dos Deputados, isso pode significar um enorme risco. Não tem jogo fácil para o Governo.
No diapasão conservador do Congresso, o Governo Federal dificilmente recolocará em discussão o Pró Cultura, projeto de lei que redefine o financiamento da cultura e reformula radicalmente a Lei Rouanet. Debatido intensamente no final do governo Lula, o Pró Cultura quase que emplacou. A entrada de Ana de Hollanda no Ministério em 2011, porém, interrompeu a negociação que vinha sendo positiva com os parlamentares, cuja resistência à mudança já havia se arrefecido significativamente. Talvez somente na segunda parte do atual mandato de Dilma Rousseff essa frente de luta do MINc seja retomada, dependendo da nova correlação de forças que teremos adiante, correndo, não obstante, o risco novamente de não ser feita a tempo de ser votada pela atual legislatura. Ou seja, chance mínima para o êxito de ação tão complexa.
Se no contexto institucional o clima é de apreensão e desalento, o que esperar da sociedade civil organizada, dos movimentos culturais, sobretudo os das periferias? Tudo! Ou a sociedade se engaja na defesa da pauta política ou os governos sucumbirão ao fracasso. A chance de reverter o quadro está nos artistas e ativistas, os mesmos que, num momento crucial da campanha da presidenta, foram fundamentais para reverter uma derrota que parecia certa. Se foi possível vencer as eleições, porque não será possível pressionar o Parlamento e os executivos para garantir verbas para a cultura, continuidade de programas e aprovação de leis fundamentais?
E é aí que reside a esperança advinda da trio Juca – Marcelo – Nabil. Com esses governantes é possível manter o diálogo e uma sintonia Estado – sociedade. Alguém já falou um dia que a crise traz em si o embrião de sua superação. Enxergar oportunidades em cenários de crise é uma virtude fundamental para quem está na luta, seja em que lado for, no front governamental ou nas ruas. É preciso que os movimentos culturais, sobretudo os Pontos de Cultura marquem presença nessa disputa como tem feito o Movimento Fora do Eixo, que é muito representativo e mobilizador, porém, demasiadamente alinhado com o governo petista.
O que é preciso é defender as políticas de Estado e não, necessariamente, os governos. Movimento social tem de manter autonomia. Sabendo atuar assim é possível construir uma aliança para avançar nas políticas culturais nesse cenário paradoxal que coloca de um lado a esperança com a volta do ministro Juca Ferreira e a paralisia pela falta de recurso aliada à perplexidade diante de um Congresso ultraconservador. Se Juca Ferreira souber estimular a sociedade e esta responder aos seus apelos, ele alcançará o brilho necessário para cumprir sua missão. O poeta Fernando Pessoa, por meio de um de seus heterônimos, nos legou um verso de enorme sabedoria: “Deus ao mar, o perigo e o abismo deu,  mas nele é que espelhou o céu”. É isso. De um lado escuridão e incerteza, de outro, luz e esperança em um mesmo cenário. Antonio Gramsci de outra forma dizia que era necessário o otimismo da vontade em face do pessimismo da razão. Seja como for, o momento atual na Cultura exige “maluquez” e lucidez, como dizia o Maluco Beleza, Raul Seixas. Escolha sua inspiração e vá à luta! Viva a Cultura viva!
Antonio Eleilson Leite – Coordenador da Área de Cultura
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