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Em defesa do direito às manifestações de rua

Os flagrantes de violência policial contra manifestantes que se reuniram em São Paulo no dia 22 de fevereiro, no ato Não Vai Ter Copa, são mais um sinal de alerta da crescente ameaça que a democracia brasileira vem sofrendo. A força descomunal na ação repressiva, aliada à atuação da mídia, tem criminalizado todo o movimento reivindicatório, tomando como bode expiatório a violência de uns poucos, e apenas de um lado. Somada a isso,, ganham espaço iniciativas legislativas que põem em risco o exercício do direito à livre manifestação, um dos pilares da democracia e do Estado democrático de direito. Segundo levantamento realizado pela ONG Artigo 19, encontram-se em tramitação no país 21 projetos de lei sobre protestos de rua com esse teor, 14 deles em nível federal.

Nas jornadas de junho a brutalidade policial resultou numa enorme adesão social, culminando em gigantescas passeatas nos principais centros urbanos do país, apesar de boa parte da mídia cobrar “pulso firme” por parte das autoridades, inclusive para impedir a tomada das ruas. Desde as manifestações contra o aumento das tarifas do transporte público a mídia vem dando grande destaque, na sua cobertura, a ações de depredação, ainda que essas sejam pontuais e minoritárias muitas vezes em resposta à ação policial.
Explora-se agora, de forma sensacionalista, a suposta existência de grupos de jovens organizados promovendo a violência e a baderna com motivações políticas ou por simples “vandalismo”. Embora as depredações e as ações violentas por parte de manifestantes de modo geral devam ter sua legitimidade questionada, é necessário que nenhuma atitude por parte dos governos coloque em risco o direito constitucional de livre manifestação. No entanto, observamos situações de violação de direitos impressionantes: uma série de prisões sem nenhuma base legal, jornalistas e advogados sendo agredidos, ameaçados e impedidos de trabalhar por agentes de segurança, o uso de armas letais combinado ao evidente excesso do uso de força são apenas alguns exemplos de problemas recorrentes.
Se os comandos das polícias, secretarias de segurança pública e governadores não demonstram nenhum gesto efetivo para coibir a violência policial (vide o fato de que nenhuma denúncia do ano anterior foi apurada até o momento), são ainda mais graves as recentes iniciativas de legisladores e governantes em criminalizar as manifestações.
É necessário perguntar a quem interessa esse clima. Parece ser uma estratégia bastante eficaz para deslegitimar ações de rua, esvaziar as agendas e estigmatizar os segmentos “indignados” da população, de modo a garantir um clima de paz e segurança para todos os bons negócios que envolvem a realização da Copa do Mundo no Brasil. Ao mesmo tempo, parece ter como pano de fundo uma série de embates partidários na eminência de eleições, os quais não traduzem as demandas apresentadas por uma população que vem questionando as formas mais tradicionais de representação política.
O governo brasileiro, democraticamente eleito, pleiteou a realização da Copa do Mundo no Brasil e aceitou suas condições. Se os negócios serão bons para a maioria da população ou apenas para uma minoria é a questão que está em disputa. De qualquer modo, diante dos enormes desafios que temos para efetivar no Brasil os direitos humanos, para reorientar seu modelo de desenvolvimento rumo à sustentabilidade e à justiça social e para consolidar aqui a democracia, não podemos aceitar, por nenhuma razão qualquer tentativa de enfraquecer uma das expressões mais significativas de cidadania que tivemos nos últimos anos em nosso país: a população nas ruas lutando por melhores condições de vida, por direitos e por justiça social.
 

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