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Editorial: Racionais: Da ponte pra cá e do lado de lá

Ao colocar os Racionais MC’s como um dos destaques da Virada Cultural, a Secretaria de Cultura faz justiça ao principal grupo de RAP do Brasil, retirando-o de um exílio das ruas do Centro depois dos incidentes ocorrido na última participação do grupo no evento. Há mais de 10 anos sem lançar um CD de músicas inéditas, Racionais ainda se mantém firme na cena. Isso se dá pela exuberância de suas apresentações ao vivo e pelo vigor de suas composições. Entre estas, uma é emblemática da ocupação periférica na Virada Cultural: Da ponte pra cá (assista ao vídeo abaixo).

Veja a programação de maio da Agenda Cultural da Periferia
O título deste RAP tornou-se uma expressão que entrou para vocabulário do RAP nacional e da literatura da periferia paulistana em particular, tornando-se uma designação que identifica aqueles que moram na periferia, principalmente a periferia da Zona Sul de São Paulo. Uma expressão da cultura, uma metáfora de elevado sentido poético. Daquelas expressões que dispensam maiores explicações.
O termo “ponte”, isoladamente, também tem sua força poética. Na Cidade de São Paulo, tem um acento muito particular, posto que há 34 pontes sobre os rios Tietê e Pinheiros que margeiam o Centro Expandido, separando a periferia. A Ponte João Dias, a que se referem os Racionais MC’s é apenas uma delas.
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Ponte é um elemento que ao mesmo tempo une e separa. Permite o ir e vir em um patamar elevado do chão sobre, necessariamente, um obstáculo do terreno que impede o curso de uma via terrestre. Ou seja, ponte é algo muito emblemático no espaço urbano. É um termo que por si, confere um sentido simbólico de grande valor. Em 2004, o rapper GOG fez um tributo aos Racionais ao questionar a ponte sobre o Lago Paranoá: Eu já atravessei a Ponte do Paraguai/ Um filme inspirou a ponte do rio que cai/É sucesso em Campinas e na voz dos Racionais/Mas a ponte da Capital é demais!
O Sarau da Cooperifa ostentou durante algum tempo o bordão: “Nóis é ponte e atravessa qualquer rio”, verso do poeta Marco Pezão, jornalista que, ao lado do poeta Sergio Vaz, criou este Sarau. Novamente a metáfora da ponte serve de inspiração para exaltar os que estão na periferia e, neste caso, expressar a altives que lhes permite trafegar tanto pela Ponte João Dias quanto qualquer outra ponte que os separe de um lugar que se deseja alcançar. Sendo simbólico o sentido, este lugar pode ser não só um determinado território, mas também uma instância intangível: dignidade, cidadania, poder, dimensões que estão fora do alcance dos marginalizados, mas nem por isso impossíveis de serem alcançadas. Se um rio é o obstáculo, juntos (nóis é ponte) é possível superá-lo.
Passada mais de uma década, Da ponte pra cá mantém sua força e seu legado simbólico estará mais vivo do que nunca nas apresentações dos artistas periféricos na Virada Cultural. O evento, que tem no seu grupo curatorial o poeta Sergio Vaz, terá muitas atrações da Periferia, além dos Racionais MC’s. Confira a programação e divirta-se!
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