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Os Fóruns de EJA e a defesa do direito humano à educação

Fóruns estaduais de EJA reuniram-se em Natal para reafirmar a necessidade de avanços nas políticas de alfabetização e educação de pessoas jovens e adultas

Para comemorar os 50 anos da experiência de Paulo Freire na cidade de Angicos (RN), a capital potiguar sediou o XIII Encontro Nacional de Jovens e Adultos (ENEJA), reunião de representantes dos Fóruns estaduais de educação de jovens e adultos que, desde meados da década de 1990, atuam como espaços de formação, de articulação e de pressão política para o cumprimento do direito humano à educação de pessoas jovens e adultas (EJA).
Mais de 400 pessoas de todas as regiões do país, entre especialistas, ativistas, gestores públicos, educadores e educandos, estiveram presentes no encontro voltado à consolidação e ao aprofundamento de temáticas relacionadas às políticas públicas de EJA em todo o território brasileiro. Em torno do tema central “Políticas Públicas em EJA: conquistas, comprometimentos e esquecimentos”, um importante destaque foi dado para o papel político dos fóruns estaduais de EJA frente ao alarmante cenário de fechamento de turmas e de diminuição crescente do número de matrículas dessa modalidade em todo país, problemas ainda pouco enfrentados pelas redes e sistemas municipais, estaduais e federal de educação.
Enquanto espaços de diálogo e de articulação para intervenção no campo das políticas públicas de alfabetização e EJA, os Fóruns surgiram no contexto da década de 1990, configurando-se como um espaço plural de gestão democrática e controle social das politicas públicas dessa modalidade. Por ocasião da preparação da participação brasileira na V Conferência Internacional de Educação de Adultos (Confintea), realizada em 1997 em Hamburgo, na Alemanha, o Ministério da Educação (MEC) seguiu as orientações da então recém-criada Comissão Nacional de Educação de Adultos (CNAEJA) para fomentar encontros estaduais para diagnosticar as metas e as ações de EJA em seus territórios.
Conforme apontou Maria Clara Di Pierro (2005), os seminários preparatórios para a V Confintea acirraram as divergências entre a sociedade civil e a administração pública federal, deixando clara a insatisfação em relação à posição secundária das políticas públicas de EJA na agenda educacional dos Governos FHC, fortemente orientada pela contenção dos investimentos públicos e, logo, pela redução das responsabilidades da União no campo da educação. Nesse cenário, essas movimentações extrapolaram seu objetivo inicial e desde então se constituíram como espaços de articulação de instituições e movimentos, de socialização e problematização de experiências e de intervenção no campo das políticas de educação de pessoas jovens e adultas. Desde então, assim como Di Pierro apontou no mesmo texto, os fóruns assumiram como uma de suas tarefas o compromisso de monitorar o cumprimento das metas firmadas na V Confintea pelo estado brasileiro.
Ao longo de sua existência os fóruns estaduais têm incentivado a criação de políticas públicas de EJA pautadas na concepção do direito humano à educação continuada ao longo da vida. Esta proposta procura romper com paradigmas educacionais convencionais que imprimem um caráter compensatório (supletivo) à EJA, reconhecer esse público como sujeitos plenos de direitos e de cultura e reafirmar e respeitar a rica tradição brasileira de educação popular, calcada na defesa da educação como processo de emancipação individual e coletiva.
Em termos organizacionais, cada fórum estadual é uma rede informal de organizações e movimentos de defesa da educação pública, de pesquisadores e professores universitários, de gestores públicos e educadores articulados por um colegiado de coordenação. Este colegiado é responsável por organizar territorialmente os diferentes sujeitos por meio de atividades públicas (seminários temáticos, encontros locais, plenárias, posicionamentos e cartas públicos etc.) e de canais de comunicação (lista de e-mails, sites próprios e páginas em redes sociais etc.).
Para além da atuação em seus próprios estados, os diferentes fóruns estaduais são também articulados para responder questões referentes à EJA em âmbito nacional. São esses representantes que, por exemplo, realizam a escolha da representação dos Fóruns junto a Comissão Nacional de Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos (CNAEJA), espaço ligado à Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi) do MEC. Criada em 2004, já no segundo ano do Governo Lula, a então Secad foi fruto da junção da Secretaria Extraordinária de Erradicação do Analfabetismo e a Secretaria de Inclusão Social, forma encontrada de organizar programas e políticas de EJA e de diversidade antes dispersos pelo Ministério e tem se constituído como importante espaço de diálogo com a sociedade civil organizada.
Uma de suas importantes ações foi a criação da Agenda Territorial de Desenvolvimento Integrado da Alfabetização e EJA, estratégia construída coletivamente e liderada pelo Ministério para incentivar a formulação e a gestão democrática de planos locais de EJA. Em muitos Estados, como é o caso de São Paulo, a Agenda Territorial não avançou por não sido uma iniciativa abraçada pela administração estadual, a quem caberia a estruturação da Agenda em seu território. Essa estratégia nacional, entretanto, foi aos poucos sendo deixada de lado, ocupando hoje uma situação marginal na agenda política ministerial. Em alguns casos, a Agenda enfrentou a resistência de governos estaduais que não a estruturaram, ou dificultaram a participação da sociedade civil ou burocratizaram seus processos previstos de funcionamento.
A cada dois anos ocorrem os ENEJAs que, intercalados por encontros regionais (EREJAs), tem como principal finalidade construir e/ou reafirmar posicionamentos públicos, concepções e bandeiras de lutas, como por exemplo, neste último encontro nacional, em que a Prof.ª Dr.ª Jaqueline Pereira Ventura (UFF), integrante do Fórum EJA do Rio de Janeiro, proferiu a conferência de abertura  “O Papel Político dos Fóruns de EJA do Brasil diante das conquistas, comprometimentos e esquecimentos nas Políticas Públicas de EJA”. A sua maneira, ela apresentou uma importante reflexão interna aos próprios fóruns, ao analisá-los perante a um contexto político mais amplo. Enquanto um momento de reflexão e auto-avaliação, a pesquisadora apontou a necessidade de se avançar no fortalecimento de sua identidade de movimento de defesa da educação popular de modo a recolocá-los como um importante sujeito político no debate sobre EJA.
Nessa perspectiva, um importante desafio dos fóruns nesse processo necessário de fortalecimento de sua identidade talvez seja diversificar sua atual composição, marcada pelo relativo predomínio de profissionais da gestão de redes e sistemas públicos de educação quando comparadas com outros segmentos. Neste último ENEJA, ficou evidente a pequena representação de educandos e educandas ou mesmo de representantes de organizações e movimentos estudantis, justamente sujeitos diretamente interessados em debater a EJA.
Por fim, ainda nessa perspectiva, talvez a relação entre MEC e Fóruns EJA do Brasil seja um dos principais desafios a serem equacionados para se avançar nesse processo. Desde as gestões do ex-presidente Lula, novos arranjos institucionais foram criados de modo a fortalecer a relação entre estado e sociedade civil, sendo a atual Secadi, dentro do MEC, um dos principais canais de diálogo para os movimentos de defesa de direitos educacionais. Entretanto, a atual gestão federal aparentemente imprimiu uma lógica diversa a de seu antecessor e, no limite, tem mostrado menos disposição em dialogar com os movimentos e organizações sociais. Um sinal desse descompromisso tem sido a falta de regularidade na realização de reuniões da CNAEJA e, principalmente, a falta de dialogo democrático e participativo na concepção, implantação e avaliação de programas para a modalidade.
Referências:
SOARES, Leôncio . O surgimento dos Fóruns de EJA no Brasil: articular, socializar e intervir . Alfabetização e Cidadania (São Paulo), São Paulo, n.17, p. 25-35, 2004.
DI PIERRO, Maria Clara. Notas sobre a redefinição da identidade e das políticas públicas de educação de jovens e adultos no Brasil. Educ. Soc. [online]. 2005, vol.26, n.92 [cited  2013-10-16], pp. 1115-1139 . Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-73302005000300018&lng=en&nrm=iso . Acesso: 05 Nov. 2013.
MOEHLECKE, Sabrina. As políticas de diversidade na educação no governo Lula. Cad. Pesqui.,  São Paulo ,  v. 39, n. 137, Aug.  2009 .   Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-15742009000200008&lng=en&nrm=iso . Acesso em: 05 Nov.  2013.
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