A Ação Educativa vem a público manifestar profunda preocupação e repúdio à ausência das agendas de gênero e sexualidade no parecer do relator ao Projeto de Lei 2.614/2024, que institui o novo Plano Nacional de Educação (PNE) para a próxima década.
As emendas que propunham estratégias voltadas à superação das desigualdades de gênero, de orientação sexual e sexualidade foram deliberadamente rejeitadas ao texto do Projeto de Lei que estabelece as metas e estratégias do próximo Plano Nacional de Educação – um novo ataque a estudantes e profissionais da educação que têm o direito constitucional de abordar em seus projetos e práticas, agendas relacionadas aos direitos humanos.
Caso a sociedade brasileira não se mobilize para mudar este cenário, serão mais dez anos sem gênero no Plano de Educação, repetindo o atraso histórico resultado da articulação de grupos ultraconservadores e fundamentalistas que atuam no campo da educação e que na época da tramitação do PNE 2014-2024 também retiraram qualquer menção à equidade de gênero e sexualidade, num ciclo de perseguição e desinformação que vem crescendo no país nos últimos anos.
A omissão dessas agendas representa um grave ataque ao direito humano à educação e reforça a invisibilização das desigualdades estruturais que atravessam a vida de meninas, mulheres, pessoas negras, indígenas, quilombolas, LGBTQIAPN+ e pessoas com deficiência, comprometendo o direito à aprendizagem, à proteção e à dignidade de milhões de estudantes.
Assim, o Plano apresentado, entra em contradição direta com a Constituição Federal de 1988, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei Maria da Penha e diversos tratados e convenções internacionais dos quais o Brasil é signatário, como a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, a Convenção Relativa à Luta contra a Discriminação no Campo do Ensino (UNESCO), a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW), a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, entre outros.
O julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5668 pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que interpretou o PNE (Lei 13.005/2014), explicitou que a “erradicação de todas as formas de discriminação” presente em um dos seus objetivos também abrange as discriminações de gênero e de orientação sexual e reconheceu a obrigação do Estado em garantir que as pessoas não sejam vítimas dessas violações nas escolas.
A educação é um campo estratégico de enfrentamento à cultura machista, racista, misógina e transfóbica que sustenta índices alarmantes de feminicídios, violências raciais e ataques à população LGBTQIAPN+, sobretudo contra pessoas trans e travestis – realidade denunciada de forma periódica pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA).
Pesquisa nacional coordenada pela Ação Educativa e o Cenpec, e realizada pelo Centro de Estudos em Opinião Pública (Cesop/Unicamp) e o Datafolha (2023), mostra que:
- • 96% da população acredita que estudantes devem receber informações sobre enfrentamento à violência contra mulheres;
- • 91% da população afirma que a educação sexual ajuda crianças e adolescentes a se prevenirem contra o abuso sexual.
- • Sete em cada dez pessoas acreditam que a escola está mais preparada que os pais para explicar temas como puberdade e sexualidade
- • 90,2% da população acredita que a discriminação racial tem que ser discutida pelos professores na escola.
- • 92,5% da população acha que os estudantes devem receber, na escola, informações sobre como evitar gravidez indesejada.
- • 92,9% da população concorda que as escolas devem ensinar os meninos a dividirem com meninas e mulheres as tarefas de casa;
- • 96,1% da população defende que a escola deve oferecer informações sobre doenças sexualmente transmissíveis e formas de prevenção;
- • 87,7% da população entende que é importante que a escola discuta a desigualdade entre homens e mulheres;
- • 80,6% da população acredita que as escolas devem promover o direito das pessoas viverem livremente suas sexualidades, sejam heterossexuais ou LGBTQIAPN+.
Nesse sentido, conclamamos educadoras e educadores; gestoras e gestores públicos; mães, pais e familiares; estudantes; conselheiras e conselheiros de educação; integrantes de fóruns de educação; operadores do direito; ativistas da sociedade civil e a população em geral, independente de vínculos religiosos, a dizerem NÃO ao retrocesso e aos fundamentalismos que determinados grupos tentam impor ao Estado brasileiro.
É hora de somar forças em defesa da educação pública gratuita, laica e democrática para todas as pessoas, em defesa da igualdade, da equidade e do direito de todas as pessoas viverem plenamente sua singularidade.