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“A evolução do futebol feminino passa pela base!”, Conheça Ita Maia, referência na formação de jogadoras

O Guia de Experiências  FUTEBOL E CULTURA: práticas de futebol colaborativo e solidário compartilha projetos onde o futebol aparece como importante ferramenta para processos de desconstrução e de diálogo no que diz respeito, principalmente, às questões de gênero.

O guia foi produzido no contexto do Projeto Regional Interpaz, parceria entre Terre Des Hommes Alemanha e Ministério Federal de Cooperação Econômica e Desenvolvimento da Alemanha (BMZ), que promove a Cultura de Paz com a igualdade e a equidade de gênero para crianças, adolescentes e jovens na América Latina.

Uma das experiências destacadas é a de Ita Maia, idealizadora da ASAPE (Associação Atlética Pró Esporte), projeto dedicado à prática do Futebol de Mulheres. Na entrevista abaixo, Ita fala sobre a iniciativa, que mostra a resistência feminina em um universo historicamente dominado pelos homens e pela masculinidade.

 “Não sei mais o que fazer com essa menina…já tentei o balé, música…teatro, mas ela só quer saber de jogar bola”. Ouvir essa frase foi como fazer um gol ou ver o seu time campeão. Hoje, uma das principais referências da formação do futebol feminino, Ita Maia é uma mulher para quem “jogar nas onze” é pouco.

Ela já foi jogadora de futebol, treinadora de equipe adulta, treinou homens e mulheres e, atualmente, dá vida a Asape, na zona leste de São Paulo, que já tem mais de 16 anos de funcionamento e funciona atualmente na Unidade do CEU Jambeiro Guaianazes.

“A falta de formação de base, talvez, é o que mais precisa melhorar para a evolução do futebol feminino. O futebol feminino profissional de alto nível, depende de uma base preparada para formar atletas, ensinar os fundamentos e desenvolver as jogadoras”, conta Ita.

Quem assiste aos treinos e conversa com as jogadoras e atletas da Asape, percebe logo que que as meninas aprendem muito mais de como se posicionar no campo ou técnicas para melhorar passe e finalização. Além de um espaço de treinamento, a Asape transformou-se em um espaço de compartilhamento de histórias de vidas, superação de traumas e construção de novos futuros através da união de mulher e futebol.

“A Ita é tudo para nós. A Asape é a Ita, e Asape é um lugar para onde eu venho quando estou triste, quando estou feliz. A Asape é nosso refúgio”, conta uma das atletas. Outra jogadora complementa: “A Ita fica brava com a gente, cobra, reclama, mas ela apoia, ela sabe ouvir. Isso representa muito para uma mulher que sonha em ser jogadora. Ele já viveu tudo isso e acredita que na gente”.

Quando assiste esses vídeos ou ouve relatos do que o espaço criado por ela, significa para tantas mulheres, Ita não esconde a emoção. Tanto porque lembra-se de quando era uma jovem, como suas atletas, de como sonhava em ser profissional, lembra das dificuldades, orgulha-se das suas conquistas e lamenta as frustrações.

“A gente sabe muito dos que essas meninas vão passar. O futebol é muito maravilhoso, ele dá muito para gente. Mas ele também cobra muito, apresenta muitas dificuldades. A minha preocupação é passar tudo isso para elas, ajudá-las seja no caminho para um grande clube, seja para outras portas que a experiência na Asape abre para elas”

Cadê o treinador?

Quando substituiu um treinador de uma escolinha de futebol para meninas, ao receber um dos pais que trazia um filho, ela ouviu a pergunta “Cadê o treinador que trabalhava aqui?”. Ita explicou que era a nova professora. Teve que ver o pai, pegar a criança e ir embora, antes do treino começar.

Ita comemora que as coisas para o futebol feminino tem mudado muito. Ela lembra que, quando criança, tinha que jogar escondido, era bem mais difícil, “Agora é mais aceito”. “Infelizmente, o machismo é algo que está aí, difícil de mudar. Não dá para achar que estaremos, enquanto mulheres, imunes a ele.”

Fica evidente que investir na formação de atletas, de forma a aumentar o nível do futebol feminino é, por assim dizer, a ‘proposta de jogo’ de Ita para marcar mais um gol contra o adversário do preconceito contra mulheres jogando bola.


Quem nunca sonhou?

“Tem gente que acha que a diferença do profissional para a ‘várzea’ é só o nível técnico ou só a estrutura. Mas não é “só”, é um outro mundo. Jogar de um jeito profissional, treinar, desenvolver uma estrutura, formar a parte técnica, física, psicológica… Tem um abismo muito grande, mas a gente quer aproximar esses mundos”, explica.

Uma das coisas mais legais de ser técnica, conta, é ver que as jogadoras acreditam na gente e quando as coisas que passamos para elas nos treinos, quando explicamos “olha, na hora do joga vai acontecer isso, daí você precisa responder assim e assim”. Ela conta que quando isso acontece “é uma alegria que não cabe na gente”.


Da mesma forma como um time que toca bem a bola, mostra que tem muito entrosamento e treino por trás das tabelas. Cada história, palavra e pausas para lembranças das respostas da Ita são marcadas por emoção e sentimento.

Na relação com suas jogadoras, todo esse sentimento vem à tona, seja para ensinar, seja para passar experiência ou só compartilhar o que já viveu. Ela confessa que nem sempre a relação é fácil. “Eu cobro muito, eu explico que tem que deixar de lado algumas distrações, sem afastar de coisas que a juventude se sente atraída”, conta. “Mas é muito bom que elas me ouvem, se abrem comigo”.

Ita explica que a franqueza na relação com as jogadoras é essencial, tanto para incentivá-las, como para evitar que elas se frustrem. “O sonho de ser jogadora de um time de elite é um sentimento muito forte. É um sonho possível, mas não é fácil. Ao mesmo tempo que é preciso dar tudo de si, tem que ter cuidado para não se frustrar, é preciso equilibrar bem”, observa.

Apesar da possibilidade de não realizar o sonho, Ita não tem dúvida que a experiência de treinar, de viver o futebol é recompensadora. Várias atletas da Asape tornaram-se jogadoras profissionais, muitas outras conseguiram bolsas de esportes para fazer graduação e curso técnico. Além, é claro, de terem experimentado do prazer de jogar bola e de competir. 

“Nenhum outro seguimento da vida oferece tanta coisa como o futebol. Nada tem tanta história, tanto sentimento envolvido. Eu sofri e enfrentei muitas dificuldades, mas eu agradeço muito pela minha trajetória no futebol. É o esporte mais apaixonante que existe”, explica.

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