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Mostra de Cinema Estéticas Negras: Periferia no Centro

Por Bruno Galindo*

Não há periferia sem um centro. Não há um centro sem periferia. Será? É a partir desse dilema que iniciamos as reflexões formadoras desta mostra de cinema que, sobre todas as outras coisas prioriza a possibilidade real de, atualmente, estarmos diante de produções variadas em diversos níveis e que, através dessa mesma multiplicidade nos permite observar um pouco do que tem sido feito, pensado e mobilizado nas periferias do Brasil de maneira muito mais autônoma e independente. Assim estaremos diante de obras (feitas por pessoas das periferias, para pessoas das periferias). Filmes que abordam e pensam as periferias como seus próprios centros criativos, intelectuais e imaginários serão aqui o foco de nossa atenção.

Compilando filmes de lugares diversos, feitos por realizadores e realizadoras diferentes entre si, a intenção primordial da Mostra de Cinema Estéticas Negras: Periferia no Centro é promover possibilidades de conversas e discussões benéficas no que diz respeito a necessidade de respeitar, dignificar e observar atentamente toda a potência transformadora na arte e nos artistas das periferias. Porque é das periferias que a novidade surge, que os impulsos se manifestam, que o corpo e a mente fazem parte de um mesmo jogo cada vez mais contrário aos estereótipos, aos lugares comuns, as mesmas ideias e as mesmas conversas vindas das mesmas pessoas.

Essa mostra é um pequeno gesto de incentivo para que as periferias, as quebradas, as vilas e inúmeras vielas sejam cada vez fonte de ideias e estéticas transformadoras, marginais e periféricas por virem e serem fruto sim das experiências que atravessam suas pessoas e seus espaços, mas também por não compactuarem com a apatia, o comodismo, o deslumbre e a covardia que dominam as manifestações estéticas em circulação pelos centros, feitas por pessoas dos centros. Promover uma mostra que lança luz acerca das estéticas periféricas não é somente reconhecer a existência dessas manifestações e dessas experiências, mas dizer de maneira convicta que as periferias trazem de forma cada vez mais forte visões e impressões de mundo incontornáveis através do cinema e do audiovisual: quem contra isso está talvez não tenha entendido ainda, ou talvez tenha entendido e muito bem.

Seja do ponto de vista econômico, cultural ou geográfico, as impressões quanto à relação entre periferia e centro têm sido alteradas ao longo dos últimos anos, sobretudo a partir de uma pergunta central que é a essência desta edição da Mostra: podem as periferias ser seus próprios centros? Pensaremos, naturalmente, essa possibilidade dentro dos campos do cinema e do audiovisual, mas há nesse questionamento uma vasta gama de conversas, que atravessam todas as esferas da arte sendo feitas e mobilizadas pelas quebradas Brasil afora.

Chegamos aqui a outra questão que determina os caminhos seguidos por esta edição do evento Estéticas das Periferias: nos últimos dez anos, com o ingresso de jovens negros e negras nas periferias, com a maior possibilidade de acessos a equipamentos básicos de produção, com o surgimento de oficinas e espaços de formação audiovisual é bastante significativo o número de filmes feitos nas quebradas brasileiras por artistas negros e negras que tratam de suas mais variadas experiências das mais diversas formas dentro das alternativas que o cinema oferece. Teremos, assim, filmes de quebrada a partir de vários lugares geográficos, culturais e econômicos, mas também de vários lugares narrativos e estéticos. Teremos, assim, filmes de quebrada premiados em grandes festivais e filmes de quebrada que serão vistos pela primeira vez. Filmes de quebrada que tratam da violência policial, do racismo institucional, do genocídio da juventude negra e filmes de quebrada que tratam de relações familiares, de afeto entre amantes, da amizade entre colegas de infância. Filmes de quebrada que nascem e crescem nos berços de tudo aquilo e daqueles e daquelas que formam as periferias brasileiras, filmes feitos por câmeras que caminham pelos becos e vielas porque sabem onde pisam, porque sabem chegar afinal ali sempre estiveram. A intenção desta mostra é, através dos filmes, assim como dos debates e das conversas reunir uma produção cinematográfica da quebrada, da juventude negra e contemporânea. Ou seja, em resumo: essa mostra traz filmes que dibicam, cortam e aparam nas ideias e propostas. Essa mostra quer conversar sobre cinema como quem conversa sobre a vida. No escadão da viela. No quintal da avó ou depois do baile. Cinema que tem ideia.

*Bruno Galindo é curador da Mostra de Cinema Estéticas Negras: Periferia no Centro. É é crítico de cinema, curador e roteirista em formação. Estudou museolgia, mas através das aulas de antropologia da imagem e da pesquisa autônoma por referências no campo dos cinemas contra hegemônicos ingressou nos espaços de crítica e curadoria, pensando e abrindo diálogos que respondam às experiências de vida mais subjetivas e urgentes através do cinema.


Programação:

27/08
18h
TRAVESSIA (4’)
Safira Moreira
Bahia
Travessia parte da busca pela memória fotográfica das famílias negras e assume uma postura crítica e afirmativa diante da quase ausência e da estigmatização da representação do negro.

QUINTAL (21’)
André Novais Oliveira
Minas Gerais
Mais um dia na vida de um casal de idosos da periferia.

BR3 (20’)
Bruno Ribeiro
Rio de Janeiro
Kastellany chega na casa da Luciana. Mia se prepara para sair à noite com suas amigas. Dandara transa com Johi pela primeira vez.

19h
O DOZE (12’)
Tais de Souza e Vinicius Monteiro
São Paulo, 2017
Fernandinho é um garoto pobre de 12 anos, famoso na favela e nas redes sociais. Ele recebe um convite para “ficar no 12” e registra todo seu envolvimento com o tráfico nas redes sociais, ganhando notoriedade em ambos os mundos.

A JORNADA (10’)
Jonathan Ferr
Rio de Janeiro
Ambientado em um universo afrofuturista, o filme nos apresenta ONA, em sua jornada pela existência, onde encontra no amor de AIYE um amor ancestral, mas ameaçado por uma presença misteriosa. Enquanto isso, a Rainha de EYA faz sua jornada pela existência em busca da unificação de seu continente.

MOTRIZ (15’)
Tais Amordivino
Bahia, 2018
No interior de Minas Gerais, onde o tempo passa devagar e a saudade teima a andar depressa, Bete, uma mulher de olhos caudalosos e sorriso largo, convive com a distância das filhas. Apesar disso, mãe e filha encontram no amor, a força motriz que as aproximam.

Logo após as sessões mesa de abertura “Possibilidades dos cinemas negros e periféricos”, com Tais de Souza (“O Doze”), Vinicius Monteiro (“O Doze”) e Jonathan Ferr (“A Jornada”).

28/08
18h
PERIPATÉTICO (15’)
Jessica Queiroz
São Paulo
Simone, Thiana e Michel são três jovens moradores da periferia de São Paulo. Simone está a procura do seu primeiro emprego, Thiana tenta passar no concorrido vestibular de medicina e Michel ainda não sabe o que fazer. Em meio às demandas do início da fase adulta, um acontecimento histórico em Maio de 2006 na cidade de São Paulo muda o rumo de suas vidas para sempre.

RAPSÓDIA PARA O HOMEM NEGRO (20’)
Gabriel Martins
Minas Gerais
Odé é um homem negro. Seu irmão, Luiz, foi espancado até a morte durante um conflito em uma ocupação em Belo Horizonte. O filme utiliza alegorias para contextualizar as relações políticas e raciais no cenário social brasileiro.

NÓS, CAROLINAS (17’)
São Paulo
Documentário criado e dirigido pelo coletivo Nós, Mulheres da Periferia, abre espaço para mulheres falarem sobre ser mulher na periferia.

19h
A CAIXA DE QUATRO CÔMODOS (15’)
Ana do Carmo
Bahia
Regina, uma mulher determinada e introspectiva, vive sozinha em seu apartamento. Tendo a fotografia como única companhia, ela se sente protegida por de trás das lentes. Mas contra o que (ou quem) ela precisa de proteção?

A BONECA E O SILÊNCIO (19’)
Carol Rodrigues
São Paulo
A solidão de Marcela, uma menina de 14 anos, que decide interromper uma gravidez indesejada

KAIRO (15′)
Fabio Rodrigo
São Paulo
Na periferia de São Paulo, Sônia, uma assistente social, precisa tirar o menino Kairo da escola para uma difícil conversa.

Logo após as sessões bate-papo com Fabio Rodrigo (“Kairo”) e Carol Rodrigues (“A Boneca e o Silêncio”).

01/09
16h
ARCO DO MEDO (10’)
Juan Rodrigues
Bahia
Um experimento cinematográfico sobre as relações do corpo negro com os espaços, os olhares e as expectativas do mundo ao redor.

IMPERMEÁVEL PAVIO CURTO (21’)
Higor Gomes
Minas Gerais
O filme narra a conturbada história de Jaqueline, adolescente moradora de uma região periférica, ela tem como sua melhor companheira uma bicicleta, que usa para ir a escola. Algumas decisões imprudentes fazem com que ela e sua tia Meire peguem estrada em busca de um novo e desconhecido recomeço.

AFRONTE (22’)
Marcus Azevedo e Bruno Victor
Brasília
O curta-metragem Afronte é enfrentamento e ocupação dos lugares pelo negro gay. É representatividade. É validar nossa liberdade.

17h
ANA (16’)
Vitória Felipe
São Paulo
Ana é uma menina que não se reconhece negra. Jeannette é uma professora refugiada com dificuldades de adaptação no Brasil. Vítimas de racismo, elas descobrem juntas um modo de transformar a si mesmas

NASCIDA PARA MATAR (4’)
Rogério Henrique Gonçalves
São Paulo
Um homem solitário na escuridão vê uma mulher se aproximar. Ela tenta convencê-lo a atirar e matar uma pessoa misteriosa. Essa pessoa desconhecida está na verdade, reivindicando uma liberdade.

DEUS (25’)
Vinicius Silva
São Paulo
Acompanhando a rotina de Roseli, o filme visa expor o dia a dia de mulheres negras da periferia da cidade de São Paulo que batalham para garantir seu sustento e, especialmente o de seus filhos.

Logo após as sessões mesa de encerramento “Entre gerações passadas, presentes e futuras – como pode o cinema negro e periférico continuar e permanecer?”, com Vitória Felipe (“Ana”) e Rogério Henrique Gonçalves (“Nascida para Matar”).

Datas:
27 e 28/08, sessões 18h e 19h.
01/09, sessões 16h e 17h.
Local: Ação Educativa (Rua General Jardim, 660, Vila Buarque – São Paulo/SP).