Nós, mulheres negras organizadas na Marcha das Mulheres Negras 2025, declaramos com convicção e firmeza: as tecnologias não são neutras! Dos algoritmos à inteligência artificial, das plataformas digitais às formas como trabalhamos no setor de tecnologia, os sistemas digitais reproduzem, aprofundam e inventam novas maneiras de alimentar lógicas racistas, patriarcais, LBTI+fóbicas, coloniais e capitalistas que historicamente excluíram e violentaram nossos corpos e territórios.
Diante dessa realidade, nasce o Comitê de Tecnologia da Marcha de Mulheres Negras 2025. Um espaço político, estratégico, propositivo, de invenção, formulação e criação do pensamento e do fazer de mulheres negras no campo das tecnologias.
Este comitê busca investigar, denunciar, resistir e transformar as formas como o racismo, o sexismo, o machismo, a LBTI+fobia e as opressões interligadas permeiam o mundo tecnológico, tanto em seus conteúdos quanto em suas estruturas de poder.
A luta pelo Bem Viver passa também por um ambiente digital que seja um espaço de promoção da equidade e justiça social. O ecossistema digital que queremos precisa ser regulado, comprometido com a democracia, com a proteção da vida e com os direitos socioterritoriais. Isso significa não permitir a monetização de desinformação, violência política de raça e gênero, conteúdos que disseminem ódio, perfilamento racial, exclusões aprofundadas pela inteligência artificial ou atentem contra as nossas existências.
Nossa luta é contra:
- – Todas as formas de discrimação algorítmica que criminalizam, discriminam, invisibilizam e desumanizam pessoas negras;
- – Monopólios e oligopólios de internet que concentram poder, lucro e vigilância;
- – A Necropolítica que orienta o uso da tecnologia para a vigilância, criminalização e genocidio da população negra, aprofundando a violência Estatal e a participação do setor privado;
- – A datificação e mercantilização da vida e das relações humanas, junto à apropriação indevida de dados pessoais por Big Techs e grandes corporações em busca de lucro;
- – A vigilância digital exercida sobre nossos corpos, territórios e comunidades;
- – A exclusão estrutural de mulheres negras e pessoas racializadas do mercado de trabalho, especialmente no setor tecnológico, onde somos invisibilizadas, precarizadas, mal remuneradas ou simplesmente descartadas nos processos seletivos;
- – As barreiras sistêmicas ao acesso a empregos de qualidade, formação contínua e ocupação de posições de liderança no ecossistema digital;
- – A falta de acesso à internet e à conectividade significativa, que impedem o amplo exercício/usufruto dos direitos digitais e cidadania;
- – A falta de acesso a uma formação tecnológica com perspectiva antirracista, que reproduz desigualdades históricas, cria novas maneiras de violar nossa existência e limita as possibilidades de inserção digna no mundo do trabalho;
- – O uso discriminatório de tecnologias em serviços públicos e privados — como saúde, educação, segurança, assistência social e sistema financeiro — que reforça o racismo institucional e limita o acesso equitativo a direitos básicos.
- – A aplicação de algoritmos opacos e excludentes em decisões que impactam diretamente nossas vidas, como a concessão de benefícios sociais, o atendimento médico e o acesso ao crédito, perpetuando desigualdades e exclusões;
- – O epistemicídio e apagamento de nossas contribuições tecnológicas, ancestrais e contemporâneas, da história oficial da inovação;
- – A falta de inclusão, diversidade e transparência nos espaços políticos e de decisão sobre governança da internet, a respeito das formas de acesso, formulação de padrões e protocolos, gestão da tecnologia e desenvolvimento de inteligência artificial;
- – O etarismo e o hiato geracional que dificultam o acesso, o uso e a apropriação crítica da tecnologia;
- – A lógica colonial que transforma territórios negros, indígenas e quilombolas em zonas de extração predatória de minerais para a produção de dispositivos eletrônicos e em depósitos de resíduos da indústria tecnológica;
- – Os impactos ambientais causados pela instalação de data centers, que consomem grandes volumes de água, especialmente em territórios e comunidades já afetadas pela escassez hídrica, que aprofundam e aceleram os efeitos das mudanças climáticas.
- – As expressões do sexismo em discurso de ódio, vigilância biométrica nos espaços privados e públicos, barreiras para a participação popular e técnica na criação e gestão de tecnologias digitais;
- – A insegurança digital a que estão expostas crianças, adolescentes, jovens e mulheres negras nos diversos ambientes;
- – Perseguições, ameaças, ataques, violências psicológicas, sexuais e campanhas desinformativas online sofridas por mulheres, adolescentes, jovens e crianças negras e quilombolas defensoras dos direitos humanos e do meio ambiente.
Reafirmamos que:
- – Nós, mulheres negras, não usamos apenas a tecnologia: também criamos, inovamos, pensamos e desafiamos o mundo digital;
- – Nossos corpos, nossas vozes e nossas histórias foram historicamente invisibilizados – mas hoje, nos reafirmamos como sujeitas políticas que exigem e constroem justiça tecnológica;
- – Exigimos justiça tecnológica no trabalho: queremos acesso real a empregos no setor tecnológico, com condições de trabalho justas, reconhecimento das nossas capacidades e o fim do racismo estrutural em empresas, universidades, serviços públicos e em todos os espaços onde se define o rumo da tecnologia;
- – Defendemos a tecnologia a serviço da vida, não do controle;
- – Demandamos acesso significativo, livre e seguro à tecnologia e à informação, especialmente para nossas comunidades negras, indígenas e quilombolas, historicamente excluídas do acesso a direitos básicos nos ambientes digitais;
- – Reivindicamos a tecnologia como território político: Um espaço onde também se disputa poder, justiça e dignidade. Nesse território, nós lutamos, criamos, resistimos e sonhamos;
- – Nos comprometemos a ocupar os espaços de decisão e governança da internet, das plataformas digitais e da inteligência artificial: Não aceitaremos mais decisões tomada sem nós;
- – Exigimos o direito de decidir sobre o uso de tecnologias que impactam nossos territórios e ecossistemas: As comunidades afetadas devem ser protagonistas nos debates sobre infraestrutura digital, impactos ambientais, riscos e vulnerabilidades climáticas, assim como desenvolvimento tecnológico;
- – Lutamos pela soberania digital dos nossos povos: Apostamos no uso de software livre, na proteção dos nossos dados, na descolonização do conhecimento e na criação de tecnologias que sirvam ao bem comum e não ao lucro de poucos.
Nossos compromissos:
- – Investigar e denunciar as múltiplas expressões de racismo e sexismo nos sistemas tecnológicos, incluindo o racismo e o sexismo no local de trabalho na indústria digital;
- – Documentar e visibilizar as experiências, lutas e contribuições de mulheres negras no campo da tecnologia;
- – Promover processos de educação digital, pensamento crítico, feminista e antirracista em tecnologia e cultura digital;
- – Influenciar políticas públicas, normas trabalhistas e marcos éticos que garantam justiça e equidade racial no setor de tecnologia;
- – Construir alianças com movimentos de justiça digital, ciberfeminismos e ciberativismos negros, coletivos antirracistas e redes de mulheres negras em tecnologia;
- – Criar novas tecnologias comprometidas com a solidariedade, o Bem Viver e com a reparação simbólica e econômica da população negra;
- – Fomentar o cuidado e a segurança digital de comunidades, ativistas e territórios;
- – Cobrar do Estado a valorização e o investimento na produção tecnológica para soberania digital a partir do conhecimento científico produzido nas instituições públicas de ensino levando em consideração à centralidade do combate e todas as formas de racismo;
- – Pela reparação simbólica e econômica de todas as famílias e grupos que foram submetidas ao perfilamento, violências e exclusão racial por parte da tecnologia;
- – Criar redes e estruturas de aprendizado tecnológico que incentivem mulheres, adolescentes e crianças negras a ingressar nas carreiras de STEM, apoie a criação de conhecimento e não apenas o consumo das tecnologias já existentes no tange a: artefatos, programas, produtos, plataformas, protocolos e todo tipo de infraestrutura física e digital que possa servir aos nossos anseios de Reparação e Bem viver;
- – Resgatar a memória sobre a produção de tecnologia africana e diaspórica no Brasil e no mundo;
Porque nos recusamos a ser monitoradas, silenciadas ou exploradas
Porque nossos corpos merecem respeito, nossos conhecimentos merecem ser reconhecidos e nossos trabalhos merecem ser dignos;
Porque exigimos nossos direitos também no ambiente digital;
Porque queremos um mundo tecnológico que nos reconheça, nos inclua e nos pertença.
O futuro nos pertence e queremos construí-lo sem amarras;
A tecnologia também será negra, transfeminista, antirracista e justa!
Comitê de Tecnologia da Marcha das Mulheres Negras 2025