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Ferramentas de inteligência artificial generativa e a desvalorização da carreira docente

Nós, organizações da sociedade civil, expressamos nossa preocupação diante da recente decisão da Secretaria de Educação do Governo de São Paulo, liderada por Renato Feder, de introduzir o uso de ferramentas de inteligência artificial generativa, no caso o Chat GPT, na elaboração de aulas digitais destinadas às professoras e professores da rede estadual de ensino paulista. 

Essa medida, anunciada nas últimas semanas, faz parte de um conjunto de iniciativas lideradas pelo Secretário que visam implementar plataformas digitais e outras ferramentas nas escolas públicas, negligenciando parâmetros estabelecidos por organismos internacionais que priorizam a construção de uma educação voltada para a autonomia e valorizam a carreira docente como fundamental na produção de conhecimento sintonizado com as diversas realidades e demandas das comunidades escolares.  Do modo como está posto pelo governo do estado, o uso da inteligência artificial se coloca mais como um processo de controle dos conteúdos trabalhados pelas professoras e professores do que uma contribuição para a melhoria da qualidade do ensino. Tal processo já vem ocorrendo com as tentativas de apostilamento dos conteúdos, produção de materiais online que padronizam o trabalho educativo sem deixar espaço para que o professor atue com autonomia e criatividade a partir dos cotidianos que acompanha e vivencia.  

Com isso, não estamos sugerindo a rejeição da tecnologia na educação, obviamente. O que propomos é que seu uso  seja parte de uma discussão ampla e contextualizada numa perspectiva de que possa contribuir com a melhoria da qualidade educacional e com a valorização de profissionais da educação.

A utilização do Chat GPT na elaboração de aulas digitais deve abranger uma série de questões fundamentais, incluindo a importância crítica da conectividade significativa, conceito utilizado pela Unesco que busca estabelecer referenciais sobre acesso de qualidade à internet e seus diferentes usos. Além disso, é essencial considerar os usos efetivos das plataformas na educação e os vieses presentes em seus bancos de dados, cujos conteúdos são predominantemente em língua inglesa, não refletindo a realidade das nossas escolas. 

Adicionalmente, a literatura científica tem destacado fragilidades na integridade informacional da produção de recursos de Inteligência Artificial generativa, como é o caso do Chat GPT. Levantamentos indicam que uma parte considerável dessas produções pode ser considerada plágio, além de reproduzir ideias racistas e sexistas, disseminar desinformação, entre outros problemas. A implementação de uma ferramenta com tantas controvérsias pode impor uma carga de trabalho adicional para as/os profissionais que irão revisar os conteúdos, uma vez que não poderão presumir a veracidade nas produções geradas.

Assim sendo, defendemos que a definição sobre o uso de qualquer tecnologia em larga escala seja orientada por uma consulta pública abrangente, dando prioridade à experiência e às necessidades das comunidades escolares, estudantes e profissionais da educação. 

O uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) em processos educacionais deve ter como objetivo simplificar procedimentos, apoiar a gestão administrativa do dia a dia e fortalecer a produção de conhecimento nos processos de ensino e aprendizagem, considerando a carreira docente como um pilar fundamental nesse processo,  especialmente porque são as professoras e os professores, em diálogo com estudantes, as/os responsáveis pela dinâmica das salas de aula.

Qualquer abordagem contrária a essa premissa significa sucumbir a uma lógica mercadológica e tecnicista na educação, que não coloca em primeiro plano o desenvolvimento integral de indivíduos e das comunidades escolares. Para progredir nessa direção, é essencial aprofundar o debate sobre o panorama regulatório da Inteligência Artificial e das plataformas, estabelecendo diretrizes que garantam o direito humano à educação de qualidade, especialmente ao lidar com o processo de digitalização que permeia o ambiente educacional.

Subscrevem a esta nota:

Abong – Organizações em Defesa dos Direitos e Bens Comuns

Ação Educativa, Assessoria, Pesquisa e Informação

CENPEC

Coletivo 660

Comitê São Paulo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação

Instituto Sumaúma

Instituto de Referência em Internet e Sociedade (IRIS) 

LAPIN – Laboratório de Políticas Públicas e Internet

Instituto Alana

IP.rec – Instituto de Pesquisa em Direito e Tecnologia do Recife 

Rede Escola Pública e Universidade (REPU)

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