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PNLD EJA: problemas e desafios

O tema deste breve artigo surgiu casualmente em uma das reuniões da equipe da Unidade de Educação de Jovens e Adultos da Ação Educativa. Há alguns anos, a organização se dedica a produzir materiais didáticos que apresentem uma proposta pedagógica adequada a jovens e adultos que não puderam cursar ou concluir a educação básica. O fruto mais atual desses esforços é a coleção didática Viver, Aprender, aprovada em 2011 pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Desde então, a obra tem sido adotada em diversos estados brasileiros para ser utilizada nas redes públicas de ensino.

Com a distribuição da coleção por todo o País e como contrapartida à adesão da obra ao PNLD, a Ação Educativa passou a oferecer oficinas formativas para apresentar a coleção a educadores das redes que tenham adotado o material e para auxiliá-los na utilização dos livros em sala de aula. Também por conta da adoção da coleção em diversas redes de ensino é que surgiu, na reunião da equipe de EJA que mencionávamos, a ideia de se produzir uma metodologia de pesquisa capaz de avaliar os impactos da adoção da coleção Viver, Aprender pelo Brasil afora.
A execução de tal ideia, porém, teve que ser ponderada a partir de uma constatação um tanto indesejável. Durante diversas oficinas formativas realizadas, os educadores da Ação Educativa verificaram que uma parcela considerável dos professores de EJA das redes que tinham adotado oficialmente o material sequer sabia da existência da coleção. Ou seja, os livros, por alguma razão, não tinham chegado às pontas da rede: as mãos dos professores e alunos.
Por outro lado, uma avaliação dos impactos da adoção da coleção não seria prejudicada apenas pelas falhas na distribuição. Nas oficinas formativas, os educadores da Ação Educativa verificaram também que boa parte dos professores que haviam recebido a coleção se recusava a utilizá-la em sua prática cotidiana de ensino.
Diante dos problemas verificados, seria importante investigar e refletir sobre as questões que envolvem a adoção e distribuição de livros didáticos na rede pública de ensino do País. A partir da experiência com a coleção Viver, Aprender, percebemos que há – não só neste caso, como possivelmente em tantos outros – uma política do Estado que não se efetiva na prática.
Quais seriam as razões disso?
Nos casos relatados nas oficinas formativas de problema com a distribuição, as versões, sempre extraoficiais e colhidas à boca miúda, sinalizam que corriqueiramente o gargalo se situa na escola. De fato, a versão de que muitas vezes os livros ficam encaixotados e confinados em alguma sala inativa das escolas não é recente, não se circunscreve ao caso específico do Viver, Aprender e nem mesmo à politica de distribuição de livros promovida pelo PNLD. Ao nos debruçamos, por exemplo, sobre outros estudos que tratam especificamente da produção e distribuição de livros didáticos no Brasil, percebemos que a prática de “ocultamento” dos livros nas escolas é muito antiga.
Quando fatos como esse vêm à tona, o mais comum é a opinião pública se escandalizar pelo mau uso do dinheiro público. Essa postura não é incorreta, mas dificilmente vem acompanhada de uma constatação tão ou mais importante, que é a violação do direito à educação de qualidade de quem não recebe o livro e tem o processo de ensino-aprendizagem atrapalhado por isso.
Entretanto, como dissemos, nem sempre há falhas na distribuição. Muitas vezes os livros chegam às mãos de professores e alunos, mas acabam sendo subutilizados ou simplesmente descartados nas práticas cotidianas de ensino. Em casos assim, a nossa experiência nas oficinas formativas revelou a existência de duas questões a serem observadas.
A primeira se refere ao processo de escolha das obras. Apesar de a Resolução nº 51 de 16 de setembro de 2009, que dispõe sobre o Programa Nacional do Livro Didático para a Educação de Jovens e Adultos (PNLD-EJA), especificar que os educadores devem “participar do processo de escolha dos títulos organizado pela sua entidade parceira, escola federal ou rede de ensino”, não é exatamente isso o que se vê na prática. Nas oficinas formativas era muito comum professores e professoras se queixarem de não terem sido convidados a participar dessa seleção das obras. Ficava claro, nesses casos, que a resistência ao material didático advinha em grande medida da ausência de um processo de escolha efetivamente democrático.
Outra razão para a não adoção do livro está relacionada à formação dos professores de EJA. Segundo Roberto Catelli Jr., coordenador da Unidade de EJA da Ação Educativa, há “um descompasso entre editais, avaliação, professor e escola real. Quer dizer, o que os editais hoje solicitam não é o que os professores ou as escolas consideram adequado ensinar. Alguns livros do PNLD ficam com o estigma de que são difíceis demais, de que são grandes, que são complexos”.
Não cabe aqui, porém, simplesmente responsabilizar os professores, apontá-los como os maiores responsáveis pela não efetivação de uma proposta pedagógica inovadora para EJA.  Talvez coubesse perguntar: qual é a verdadeira relevância de uma política nacional de distribuição de livros didáticos? Se ela é relevante, de que outras políticas ela dependeria para se tornar efetiva? Viabilizar o acesso a uma boa obra didática é em si uma medida suficiente para assegurar a qualidade da educação?
Pelo que pudemos observar nas oficinas formativas, apenas uma política de distribuição de livros didáticos, por mais interessante que seja a proposta trazida por esses livros, não é suficiente para mudar a configuração histórica da EJA no País. Por isso, gostaríamos de finalizar esta breve análise sobre a distribuição e adoção da coleção Viver, Aprender fazendo eco ao que diz a professora Maria Clara Di Pierro em seu artigo “Balanço e desafios das políticas públicas de educação de jovens e adultos no Brasil”:
“Uma viragem dessa ordem só pode ser realizada por e com educadores bem formados, que tenham acumulado experiências e conhecimentos sobre a aprendizagem das pessoas jovens e adultas. A formação de educadores para as especificidades da modalidade e sua profissionalização são pontos de convergência recorrentes no discurso acadêmico e político que, entretanto, constituem fonte permanente de tensões, pois pouco se avançou nesse terreno. Essa é uma lacuna a ser preenchida por políticas federais que induzam as instituições de ensino superior a realizar estudos e pesquisas, incluir a temática em seus currículos da formação inicial, promover a especialização e a formação continuada de docentes em serviço. Tais políticas terão maior chance de êxito se forem combinadas a estratégias de profissionalização que superem o voluntarismo reinante e reconheçam a natureza especializada do trabalho docente com jovens e adultos, favorecendo o recrutamento de professores com formação e experiência, e a constituição de um corpo estável de profissionais dedicados à modalidade.”
Leia também:
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