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Posicionamento em defesa da PEC e por melhores condições de trabalho para a população brasileira

Os debates sobre a melhoria das condições de trabalho no país ganharam força com o movimento Vidas Além do Trabalho (VAT), que está conseguindo uma grande adesão social à proposta de pôr fim à chamada “escala 6×1”, formato de seis dias trabalhados para um de descanso. Um de seus fundadores é Rick Azevedo, um jovem negro, ex-balconista de farmácia, que obteve a mais expressiva votação do PSOL para vereador no Rio de Janeiro pautando essa agenda. 

A partir do sucesso da campanha e sua capacidade de mobilizar a sociedade  – em particular, a classe trabalhadora – para debater qualidade de vida e mundo do trabalho, o mandato da deputada federal Érika Hilton levou ao Congresso uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) com esse foco. A deputada defende que o país adote a jornada de trabalho de quatro dias, prevendo mudanças no número de horas trabalhadas, tendo, entre seus efeitos imediatos, o fim do modelo 6×1.

A escala 6×1 atinge dezenas de milhões de trabalhadoras e trabalhadores, sobretudo nos setores do comércio e dos serviços, como aqueles ofertados em restaurantes, bares e hotéis, que envolvem jornadas de 7h20 de trabalho por seis dias, com uma folga semanal, ou do telemarketing, onde a jornada máxima é de seis horas diárias. Tratam-se de postos que são frequentemente ocupados por jovens e que carregam características do trabalho precário, como baixos salários, alta rotatividade, grande pressão por desempenho, entre outras. 

O estudo da Agenda Jovem Fiocruz lançado no ano passado sobre a situação de saúde de jovens trabalhadoras/es chamou a atenção para os efeitos negativos do trabalho precário para a saúde dessa população. O segmento juvenil correspondia a um terço (33%) dos acidentes de trabalho notificados entre 2016 e 2022, sendo que 78% das vítimas eram homens. O Dossiê revelou também que entre trabalhadoras/es que buscaram serviços de saúde por conta de transtornos mentais associados ao trabalho, 58% tinham entre 25 e 29 anos e 74% eram mulheres.

A boa receptividade que a campanha lançada pela VAT vem recebendo parece estar diretamente relacionada à percepção que vem sendo encontrada em pesquisas do campo da juventude a respeito da sobrecarga e do sofrimento mental de jovens, que frequentemente combinam trabalho com sua educação, os cuidados familiares e domésticos, entre outras atividades. Essa sobrecarga muitas vezes é uma razão para deixar os estudos, impactando suas trajetórias – o que ocorre mais frequentemente com mulheres, negras, negros e jovens de estratos sociais de mais baixa renda, exatamente os perfis que lidam com as piores condições de trabalho.

As condições econômicas mostram a oportunidade e a importância da redução da jornada. Segundo pesquisa da Oxfam, seis brasileiros têm uma riqueza equivalente ao patrimônio dos 100 milhões mais pobres do país, ou seja, a economia está voltada para produção de riqueza para alguns. No sentido de garantir que há Vida Além do Trabalho para todas as pessoas, a economia precisa ser pautada pela justiça social. 

Enquanto alguns setores resistem a essa mudança, frequentemente alegando a inviabilidade “econômica” da proposta, ela se fortalece como demanda social na população que é inviabilizada no seu cotidiano pela exploração do trabalho. Os questionamentos à mudança proposta pela deputada, não à toa, surgem das mesmas vozes que há alguns anos defendiam a reforma trabalhista aprovada em 2017, supondo efeitos econômicos e sociais que jamais vieram. Ao contrário, atualmente as novas gerações se deparam com um mercado de trabalho muito mais deteriorado, conforme indicaram os dados do IBGE. É exatamente esse cenário que a PEC, em conjunto com outras medidas, pode ajudar a alterar.

O contexto sinaliza a urgência de fazermos o debate sobre a qualidade das ofertas de trabalho no Brasil e que esse movimento seja acompanhado por políticas públicas que possam ir além do empreendedorismo como resposta única. O Estado brasileiro, como signatário e co-autor da Agenda Nacional do Trabalho Decente e da Agenda Nacional do Trabalho Decente para a Juventude, tem a responsabilidade de apresentar saídas que permitam a sua população viver, podendo ter tempo livre para dedicar a familiares, ao lazer, bem como ao seu aperfeiçoamento pessoal e coletivo.

Com essa finalidade, a Ação Educativa se une ao movimento pela aprovação da PEC, convocando o governo e o Congresso Nacional a trabalharem por essa mudança, atendendo os movimentos de trabalhadoras e trabalhadores que vêm demandando melhorias nas condições de trabalho, uma agenda tão urgente como negligenciada nesse país.

 

Depoimentos de jovens ativistas do projeto Mude com Elas

As jovens ativistas da Rede Mude com Elas produziram relatos compartilhando um pouco das suas experiências e das experiências de suas famílias com a escala 6×1.

“Trabalhei como operadora de telemarketing em uma escala 6X1. Somente a função já se configura como um subemprego. Por trabalhar de segunda-feira a sábado, perdi momentos precisos com meus familiares e amigos, além de ter que pausar os estudos, por não aguentar o desgaste físico e emocional diário com o emprego. Chegava por volta de 22h em casa; aos finais de semana, devido ao transporte, chegava às 23h30. O domingo que me restava, só pensava em descansar um pouco para conseguir levar no outro dia. A escala 6X1 é desumana, pesada e nos exclui ainda mais. Quem é a favor da escala 6X1 nunca trabalharam sob esse regime ou lucram com a exploração da nossa mão de obra.” (Jovem negra ativista Mude Com Elas, 24 anos)

“A minha mãe já trabalhou na escala 6×1. Ela trabalhava à noite como auxiliar de limpeza. Na época, morávamos só nós duas. Então, ela me deixava em casa trancada. E pouco me lembro do que ela fazia nas folgas, mas a saudade que eu tinha todas as noites e o medo de dormir sozinha consigo acessar com facilidade! Na época eu estava na segunda série, tinha 7 ou 8 anos e ia de perua para escola, mas comecei a faltar pra conseguir ficar um pouco com a minha mãe, ia para o quarto onde ela estava apagada depois do trabalho e deitava do seu lado. Mesmo com o trabalho puxado ela recebia um salário mínimo e não tinha condições de pagar alguém para ficar comigo, ela “só” conseguia pagar as contas e o meu transporte para escola que ficava no bairro vizinho.” (Jovem negra ativista Mude Com Elas, 25 anos)

“A princípio, a gente aceita esta escala por uma necessidade de sobrevivência e no início até que deu para conseguir conciliar algumas coisas, porque eu morava com minha mãe e irmãos mais novos que faziam a manutenção da casa no geral. A verdade é que contando o tempo de deslocamento casa-trabalho-casa, levava aproximadamente 6h, o que tornava o descanso entre os dias menores. A escala 6×1 roubou grande parte da minha vida, da minha saúde e da minha perspectiva de sonhar. Por conta desta escala, acabei adiando por uns 3 anos a minha entrada na faculdade, porque no fim do dia eu estava exausta e as faculdades que eu tentava ingressar eram longe do trabalho e da minha casa. Consegui ficar um tempo na escala 5×2, o que me trouxe uma certa qualidade de vida. Eu já podia sentar e conversar com os meus irmãos, com minha mãe e companheiro da época, conseguia marcar um encontro com amigos e descansar de fato. Mas, como nada é pra sempre, logo fui “obrigada” (segundo a empresa, não tinha como manter pessoas em 5×2) a voltar para a escala desumana que é 6×1. Dito tudo isso, reforço que a falta de lazer, de descanso e de saúde das pessoas que vivem em regime de escala 6×1 é desesperadora, desumana e tem que acabar já!” (Jovem negra ativista MUde Com Elas, 24 anos)

“Eu tenho 23 anos, trabalhei dentro do regime CLT 6×1 desde 2019, numa carga horária das 8h às 18h30, com 15 minutos de pausa, e dentro desse regime CLT 6×1 eu tive que abdicar de algumas coisas, como meus estudos. Me esforçava muito para estar na escola, corria do trabalho para a escola e muitas das vezes não conseguia entrar. Eu tive que escolher, desisti da escola naquele momento para poder suprir a necessidade financeira que eu tinha. Tive que desistir também de um cursinho popular que acontecia aos sábados porque eu não podia estar lá por estar trabalhando. Isso me acarretou alguns problemas para poder entrar na faculdade, eu não tive sucesso, não consegui passar na prova... Não pude me dedicar também à melhoria de perfil profissional e não tinha tempo para cuidar da minha família, para estar com a minha família, desenvolvi ansiedade e alguns problemas psicológicos. Foi para mim desumano e insalubre e sufocante.” (Jovem negra ativista Mude Com Elas, 23 anos)

“Sou mãe e sou artista também. Acho que o meu maior medo era não conseguir ser uma mãe suficientemente boa para minha filha. E na escala 6×1 isso é o que mais acontece. Infelizmente o sentimento que mais me bate, medo de não conseguir ir em todas as apresentações, de chegar em casa e ela já estar dormindo, de ter que terceirizar os cuidados dela para conseguir trabalhar, de muitas vezes não conseguir estar presente nas consultas ou quando ela está doente por conta do trabalho. Isso também afetou a minha saúde mental nesse ano onde eu tive afastamento por conta de ter uma crise de ansiedade, estresse pós-traumático.” (Jovem negra ativista Mude Com Elas, 25 anos)

 

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