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Educação Popular e Lutas Sociais em debate no seminário que marca 20 anos da Ação Educativa

A Ação Educativa abriu seu ano de comemoração de 20 anos durante o Seminário Internacional Educação Popular hoje, realizado dia 22 de maio na Biblioteca Mário de Andrade. O evento contou com a participação de mais de setenta pessoas de movimentos sociais, academia, governo e diversas organizações da sociedade civil.

Com o objetivo de ampliar a discussão acerca da importância da educação popular para a garantia de direitos, ao longo do dia, os debates ocorreram em torno de quatro mesas: “Educação Popular em Outros Continentes”, “Educação Popular e Estado”, “Educação Popular e Movimentos Sociais” e “Educação Popular, Novas Linguagens e Novas Ações Coletivas”.

Educação popular na base

A mesa “Educação Popular e os Movimentos Sociais” buscou discutir como a educação popular vem sendo praticada no contexto das lutas sociais e contou com a participação de Carmen Silva, da SOS Corpo, de Maria Cristina Vargas, do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), e de Raimundo Bonfim, da Central de Movimentos Populares.

Carmen Silva pontuou que os movimentos sociais são espaços que aglutinam movimentações e organizações em torno de causas. Nesse caso, movimentações são definidas como um processo de luta e mobilização, frente ao Estado e à sociedade; enquanto organizações seriam o processo mais permanente, um agrupamento que pode ter um maior o menor grau de institucionalização.

“Eu não entendo o movimento social como algo que se move em torno de qualquer causa, mas de uma causa relativa aos direitos, que problematiza ou contesta a ordem estabelecida”, explicou Carmen.

Para Carmen, movimentos sociais promovem ações coletivas conscientes e se relacionam com educação popular através de suas práticas baseadas em uma concepção pedagógica, que articula o diálogo e o ideário de transformação. “Parto do pressuposto que educação popular tem a ver com a formação de sujeitos, individuais e coletivos, que atuam politicamente pensando a transformação do mundo, a mudança”.

Para ela, os processos de educação popular nos movimentos sociais formam e deformam. A participação das pessoas nas lutas sociais gera valores, habilidades e pensamentos críticos e criativos, mas também viciam em práticas políticas que nem sempre rompem com o tradicional já estabelecido. “Entendo que a educação popular tem o desafio da reflexão sobre os processos de luta”. Nesse sentido, Carmen apontou a formação na ação, como espaços pedagógicos próprios para rever as práticas e as formas de organizar as lutas. Ela também chamou atenção para a articulação entre teoria e prática.

Em seguida, Maria Cristina Vargas falou sobre as práticas educacionais dentro do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST). Em 2014, o movimento comemora 30 anos e o MST discute o momento político que vive atualmente. Seus processos educacionais são internos, mas também são aqueles desenvolvidos em conjunto com a sociedade. “O processo de educação popular dentro do movimento é o próprio movimento, em luta. E para lutar, temos que nos organizar”, disse.

Orientado por três objetivos centrais – a luta pela terra, pela reforma agrária e pela transformação social -, Maria Cristina aponta a organicidade no movimento como fundamental, valor que faz com que cada pessoa tenha uma tarefa. Os sujeitos do movimento desenvolvem seus próprios processos de educação, através da prática e da participação, dos “sujeitos em movimento”. “Essa palavra organicidade, para nós, é muito importante. E é aí que se dá, na verdade, a essência da educação popular dentro do movimento”, contou.

Por fim, Raimundo Bonfim trouxe a experiência da Central de Movimentos Populares, que surgiu em 1993 e hoje está presente em mais de 18 estados brasileiros agregando diversos movimentos. Para ele, os espaços de educação popular permanecem extremamente importantes por serem locais em que se discutem questões não problematizadas em espaços formais, como a escola. Segundo Raimundo, quem não tem contato com os movimentos sociais não sabe quais são os problemas que enfrentam, já que não conhecem sua realidade. Nesse sentido, para ele, os movimentos sociais são a melhor escola para qualquer pessoa indignada com a injustiça social.

No campo dos desafios, ele acredita que existam duas versões atualmente sobre o contexto brasileiro: a primeira é que o país resolveu seus problemas crônicos, como a desigualdade social; a segunda é aquela que acredita que o país está à beira de um colapso, em um caos social. Nesse sentido, ele alertou que os movimentos populares tem o grande desafio de perceber que o país não se encontra nesses extremos e em como se deve lidar com as lutas nesse contexto.

Raimundo também chamou atenção para os desafios criados pela mídia. “A gente vive numa sociedade de comunicação de massa, agora mais com as redes sociais, de que aquilo que não aparece na mídia não está no mundo”, afirmou.

Novos olhares e questões para o momento atual

Na última mesa do dia, “Educação Popular, Novas Linguagens e Novas Ações Coletivas”, a discussão girou em torno das recentes manifestações no Brasil e seu diálogo com processos de educação popular. No intuito de trazer as novas estratégias e linguagens utilizadas, participaram da mesa Paulo Henrique (Paíque), do Movimento Passe Livre (MLP), Diego Mendonça, mestrando em Direitos Humanos pela UnB e integrante da base de apoio do MPL, e Douglas Belchior, da Uneafro.

Para Paíque, a principal forma de atuação do Movimento Passe Livre (MLP) foi pela lógica de que o próprio movimento ensina e nos provoca a ter autonomia e atuar sobre o mundo de maneira crítica. “A organização nos re-ensina e nos provoca outra forma de ver e pensar o mundo”, disse.

Segundo Paíque, o movimento atuou promovendo interlocução entre estética, arte e política. No entanto, essas ações diretas iniciais, muito presentes no início do movimento, atingiram um teto de impacto e o movimento percebeu que a capacidade de pautar a conjuntura por esses meios também chegava num limite, pela capacidade de interlocução com a sociedade.

Dessa forma, eles passaram a buscar outras formas de dar visibilidade às ações. O movimento passou a estruturar um trabalho de base mais sistemático, para ampliar a capacidade de articulação e de debate sobre o transporte coletivo com as populações locais. “O nosso papel, no momento, talvez seja um papel muito mais de educadores populares, problematizadores populares, do que propriamente de guiar o processo revolucionário”, explicou.

A questão para o movimento, como apontou Paíque, é pensar a educação popular como uma maneira de vazar as contradições sociais existentes. Nesse sentido, o trabalho de base trouxe a possibilidade de aprender a partir da luta e da realidade. “A nossa politização foi fruto do nosso trabalho de base, primeiro como ferramenta e depois se transformou em princípio. Porque o trabalho de base, como perspectiva de educação popular, nos trouxe a possibilidade de aprender com a nossa luta, aprender com a nossa realidade”.

Na sequência, Diego Mendonça, pensando as novas mobilizações e movimentos, ressaltou a potencialidade de convocação pela internet e da tecnologia da comunicação e dos softwares livres, destacando que não há neutralidade na utilização desses meios. As novas dinâmicas de organização e mobilização contribuem com propostas metodológicas dialógicas, buscando estabelecer ligações históricas e utilizando criticamente as novas tecnologias. Ele cita, como exemplo, as aulas públicas.

Para Diego, a educação popular está na rua, nas contradições do processo e no debate. Qual é o papel dos educadores nesse processo? “Um dos papéis do educador não é contribuir para desvelar a realidade, expor as contradições, contribuir com momentos de reflexão e colaborar com propostas de saídas coletivas?”, disse. Como exemplo, ele se questionou se os educadores populares não deveriam, nesse momento, estar mais envolvidos no processo e nos movimentos relacionados à Copa do Mundo.

A última fala da mesa contou com a participação de Douglas Belchior, que trouxe sua experiência na Uneafro, uma rede de cursinhos que carrega consigo seus próprios princípios organizativos e políticos. Entre as pautas prioritárias da Uneafro, estão a educação e o genocídio da juventude negra, por exemplo, temas que fazem parte de sua realidade.

Para Douglas, vivemos um momento de disputa de mentalidade e um desafio frente à conjuntura contraditória, que amplia o acesso a certos bens de consumo, mas mantém a desigualdade e não garante direitos básicos. A educação popular, nesse contexto, pode colaborar para a mudança de valores dessa realidade. Nesse sentido, a Uneafro é uma experiência que busca aproximar a realidade das pessoas que frequentam os cursinhos do conteúdo desenvolvido nas aulas, criando vínculos com a vida dos seus participantes.

A aula é vida e a educação é política, e, para Douglas, é isso que os políticos deveriam recuperar nas suas atividades públicas. Nesse sentido, ele alerta para a importância do trabalho permanente. “Nós estamos acostumados a reinventos”, disse.

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