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Eleição Municipal em São Paulo: Propostas da Ação Educativa

A Ação Educativa vem divulgar neste segundo turno propostas e contribuições para as áreas de educação, juventude e cultura do município de São Paulo na perspectiva da garantia dos direitos humanos em um contexto de pandemia, crise econômica e acirramento acelerado das históricas desigualdades na cidade e no país. O documento está comprometido com o fortalecimento de políticas públicas como políticas de estado: com planejamento, financiamento, coordenação, avaliação e participação da sociedade civil.

Política cultural na Cidade de São Paulo e eleições municipais 2020: contribuição da Ação Educativa para o debate

Por ter uma série de programas assegurados em lei, a política cultural na cidade de São Paulo teve um longo ciclo de continuidade, mas há insuficiências de alcance, baixa institucionalidade, limitações orçamentárias e déficit de participação. Carece também de uma maior priorização das periferias e de metas de longo prazo que assegurem a cidadania cultural.

A Secretaria Municipal de Cultura- SMC, pelo menos desde 1975, teve uma maioria de gestores comprometidos com o direito à cultura, apesar da diversidade de perfis, visões e posicionamentos políticos. O órgão conta ainda com um mito fundador de grande inspiração que foi a gestão do escritor Mario de Andrade na década de 1930 quando ainda era Departamento de Cultura.

A estruturação da atual política cultural na cidade teve início na gestão de Luiza Erundina no final da década de 1980 tendo a filósofa Marilena Chauí como secretária durante todo o seu mandato. O grande salto, porém, foi dado na gestão de Marta Suplicy, cujos secretários foram o historiador Marco Aurélio Garcia e o dramaturgo e ator Celso Frateschi. Entre os anos de 2001 e 2004, foi aprovada a Lei de Fomento ao Teatro, depois acrescida das leis de fomento à dança e ao cinema, além do VAI – Valorização de Inciativas Culturais, primeiro fomento com foco na juventude de periferia. No final do mandato de Marta, surgiram os CEUS, cuja programação cultural era de responsabilidade da SMC, ampliando a presença da política cultural nos territórios dos extremos da cidade.

Na gestão de Fernando Haddad, um novo salto. Os programas foram todos fortalecidos. O VAI ganhou uma nova modalidade, para maiores de 30 anos. A Lei de Fomento à Periferia foi sancionada. Os Pontos de Cultura enfim chegaram à cidade. Foram criadas a SP Cine e a Plataforma SP Cultura. O Programa Jovem Monitor Cultural, que estava restrito ao CCJ – Centro Cultural da Juventude, foi ampliado, atingindo mais de 50 equipamentos e 250 beneficiados. Tendo o ex-ministro Juca Ferreira como secretário nos dois primeiros anos, Haddad incrementou e expandiu significativamente o carnaval de rua que fez São Paulo entrar no mapa da folia nacional. A gestão também realizou a Conferência e elaborou o Plano Municipal de Cultura, buscando a inserção da Capital no Sistema Nacional de Cultura. O PT perdeu a eleição em 2016, mas não houve uma ruptura na gestão seguinte, especialmente nos dois últimos anos.

Fortalecer a institucionalidade: estruturar o CPF – Conselho, Plano e Fundo

O arcabouço da política cultural em São Paulo foi mantido até hoje porque boa parte dele é respaldado em Lei (VAI e leis de fomento, SP Cine, PJMC). Porém, do ponto de vista institucional, há que se atualizar e aprovar, na Câmara Municipal, o Plano Municipal de Cultura que estabelece diretrizes e metas de longo prazo. Essa atualização terá que ser feita por meio de conferência popular em processo descentralizado, da periferia para o centro. Juntamente com o Plano, é preciso recompor o Conselho Municipal de Cultura e efetivar o Fundo Municipal de Cultura, articulando assim o CPF da cultura. Essa é a tarefa institucional da política.

Ações programáticas

Concomitantemente, deve-se investir em pelo menos 10 ações estruturais e programáticas conforme listado abaixo:

  1. Fortalecer e ampliar os programas de fomento voltados à periferia (VAI I e II e Lei de Fomento à Periferia)
  2. Conceder comodato às ocupações culturais que estão em prédios da Prefeitura (ex: Ocupação Coragem, Casa Cultual do Hip Hop do Jaçanã, Espaço CITA, Ocupação Mateus Santos) e criar linha de fomento específica para esses espaços, incluindo as que estão em imóveis privados (ex: Quilombaque e Casa Amarela) afiançando tais ocupações frente a seus proprietários.
  3. Descentralização da política em articulação com as 32 subprefeituras; fortalecer e ampliar a rede de equipamentos culturais da Prefeitura; atuar em parceria com os equipamentos culturais do Estado, especialmente as 10 Fábricas de Cultura e com as Unidades do SESC; retomar a programação cultural dos CEUS.
  4. Descentralizar os grandes eventos: carnaval, virada cultural e parada LGBTQI+.
  5. Apoiar o circuito de eventos negros e periféricos: Estéticas das Periferias, FELIZS, Mostra Cooperifa, Festival Percurso, Festival do Livro e da Leitura de São Miguel Paulista, Feira Preta, entre outros.
  6. Ampliar os recursos do PROMAC – Lei Municipal de Incentivo Cultural, mantendo o critério de maior incentivo quanto mais na periferia for o projeto.
  7. Fortalecer todas as leis de fomento, incluindo as recentes do Reggae e do Forró
  8. Fortalecer o Mês do Hip Hop.
  9. Fortalecer os programas de formação Vocacional e Piá, além da EMIA, e articular essa oferta com a política de assistência social, especialmente com os mais de 400 CCAs – Centros da Criança e do Adolescentes.
  10. Ampliar o Programa Jovem Monitor Cultural em quatro vezes, atingindo mil beneficiados e criar cotas para jovens em cumprimento de medida socioeducativa.

Propostas da Ação Educativa para a Educação da cidade de São Paulo

Desigualdades na cidade

Com seus mais de 12 milhões de habitantes, a cidade de São Paulo é a maior metrópole em extensão territorial de América Latina, marcada por grandes contrastes e simultaneidades. O seu gigantismo é proporcional à intensidade e à complexidade dos seus desafios urbanos e das suas imensas desigualdades, aprofundadas pela brutal crise econômica e crise sanitária que o país atravessa, e refletidas intensamente no acesso à garantia do direito humano à educação de qualidade.

O crescimento econômico acelerado das últimas décadas, como centro da economia nacional e polo da economia global, não gerou ganhos similares na massa salarial e em qualidade de vida para o conjunto de seus habitantes, ou seja, não gerou uma cidade com urbanidade para a maioria. Pelo contrário, o crescimento econômico acirrou dinâmicas de segregação socioespacial, concentração do patrimônio e inserção precária na cidade com base em um neoliberalismo agressivo em prol de interesses privados.

A história da cidade de São Paulo, desde o início do século XX, constitui-se com base em uma lógica de segregação. Segregação que é espacial, social, política e econômica, que é explicitamente racial, e que se expressa também na educação. Para romper com essa realidade, é urgente mais do que nunca assumir a educação na perspectiva do direito à cidade[1] e como um direito humano em interdependência com outros direitos humanos (saúde, cultura, moradia, alimentação, meio ambiente, etc.), compreendendo que sua garantia plena exige uma abordagem integral e intersetorial dos desafios educacionais.

Essa abordagem deve considerar as necessidades concretas da população, a complexidade da realidade econômica e social, as múltiplas desigualdades existentes nos territórios e dinâmicas sociais (de renda, étnico-racial, gênero, religiosa, sexual, origem regional, etária, existência de deficiência etc.) e as muitas e criativas formas de resistência e reexistência da população nos territórios frente a esse contexto adverso (redes de apoio e solidariedade, movimentos sociais, grupos culturais, coletivos juvenis, iniciativas de defesa do meio ambiente, uso de redes sociais na internet etc.). Significa também compreender que a garantia do direito humano à educação de qualidade é decisiva para que a população possa acessar outros direitos e ampliar e qualificar os parâmetros da demanda social por cidadania. Diante deste contexto, algumas propostas são essenciais para um desenvolvimento sustentável e com resultados positivos ao longo dos anos:

  1. Retomada urgente da implementação do Plano de Educação da Cidade de São Paulo (Lei 16.271/2015) e dos Planos Regionais de Educação. Fruto de um amplo processo participativo que teve início em 2008, o Plano de Educação da Cidade de São Paulo foi aprovado em setembro de 2015 pela Câmara Municipal e estabelece treze metas e quatorze diretrizes a serem implementadas até 2025 comprometidas com a melhoria do acesso e da qualidade do atendimento educacional na cidade: das creches às universidades. Como decorrência do Plano de Educação da Cidade, foram construídos Planos Regionais de Educação, que especificam metas regionais que buscam enfrentar a imensa desigualdade da garantia do direito à educação na cidade.
  • Ampliação do financiamento e construção do Custo Aluno Qualidade (CAQ) da cidade de São Paulo.

O aumento de recursos constitui condição fundamental para que a cidade amplie suas condições de enfrentar desigualdades educacionais e implementar metas do Plano de Educação da Cidade de São Paulo como o investimento na construção da rede direta de educação infantil, o aumento da oferta em educação de jovens e adultos, a diminuição do número de alunos por turmas, a melhoria da condição docente, entre outros muitos desafios. Previsto no Plano de Educação de São Paulo, a construção e garantia do Custo Aluno Qualidade da Cidade de São Paulo se relaciona com a definição do valor de investimento por aluno por ano que garanta o mínimo necessário para se cumprir a legislação educacional e alcançar uma educação de qualidade no contexto da cidade.

  • Investimento na expansão da rede direta e melhoria da qualidade da oferta da educação infantil: a expansão do atendimento de creche na cidade de São Paulo se deu nos últimos anos por meio do conveniamento e da superlotação das turmas de creches da rede direta. É fundamental que o município zere a fila por demanda por vagas de creches, mas respeitando referenciais de qualidade como o número de crianças por educadoras, conforme parâmetros legais; espaço físico adequado, com área externa aberta para as crianças brincarem; investimento permanente na formação continuada das profissionais de educação; interrupção da política de vouchers para instituições lucrativas e não lucrativas; fortalecimento do Comitê de Monitoramento para a Expansão da Educação Infantil no Município de São Paulo, criado a partir de decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo; implementação do Plano de Educação da Cidade de São Paulo em articulação com o Plano Municipal Primeira Infância (Lei 13.257/2016), visando o fortalecimento do atendimento intersetorial territorializado.
  • Educação para os direitos humanos e sustentabilidade. Uma das grandes tarefas da educação é quebrar o pacto de naturalização, aumentar a indignação pessoal e social frente às desigualdades, racismos e discriminações em prol de uma formação e ação política comprometida com a conquista de uma sociedade efetivamente democrática – do cotidiano, das práticas educacionais ao sistema político e econômico. Uma educação que estimule uma leitura crítica da sociedade de consumo, da mercantilização da natureza e dos bens comuns. A educação para os direitos humanos e sustentabilidade deve ser eixo estruturante das políticas de educação formal para crianças, adolescentes, jovens e adultos e deve proliferar de diferentes maneiras por meio da educação popular, não escolar, impulsionada pelo poder público ou/e por organizações, movimentos ou coletivos da sociedade civil. É importante que o poder público estimule a multiplicação dessas iniciativas nas áreas centrais e periféricas da cidade, valorizando as experiências em desenvolvimento por vários grupos populares e juvenis, em sintonia com a implementação do Plano Municipal de Educação Ambiental e do Plano Municipal de Educação em Direitos Humanos.
  • Institucionalização da LDB alterada pela Lei 10.639/2003 e Lei 11.645/2008 em todas as etapas e modalidades da educação básica como parte de uma política de enfrentamento do racismo na educação e fortalecimento da educação escolar indígena diferenciada. A LDB alterada pela Lei 10.639/2003 e pela Lei 11.645/2008 tornou obrigatório o ensino da História e das Culturas Africana e Afro-Brasileira e da História e das Culturas dos Povos Indígenas em toda a educação básica (escolas públicas e privadas). Cabe à gestão municipal garantir condições adequadas para a institucionalização dessas alterações legais, conforme proposto no Guia O Ministério Público e a igualdade étnico-racial, do Conselho Nacional do Ministério Público, que apresenta indicadores de institucionalização. Tais condições contemplam: desde a ampliação e fortalecimento da equipe de SME responsável pela promoção da igualdade étnico-racial na educação; recursos financeiros; políticas de formação, produção de material didático e de avaliação e monitoramento; entre outras. Destaca-se também a necessidade de retomada do investimento na educação escolar diferenciada indígena por meio dos Centros de Educação e Cultura Indígenas.
  • Realização da Conferência de Educação da Cidade de São Paulo, fortalecimento do Fórum Municipal de Educação e das instâncias de gestão democrática e processos participativos, com estímulo à autoavaliação participativa escolar e aprimoramento da política de transparência das informações. Conforme previsto no Plano de Educação da cidade de São Paulo, é necessário forte investimento no fortalecimento das instâncias de gestão democrática (Fórum Municipal de Educação, CRECE, conselhos escolares, grêmios estudantis) e dos processos participativos e de escuta ativa das comunidades escolares. Conforme previsto no Plano de Educação de São Paulo, é urgente a realização da Conferência de Educação da Cidade de São Paulo como processo fundamental para a avaliação da implementação do Plano de Educação da Cidade de São Paulo cinco anos após a sua aprovação. Destaca-se também a importância do fortalecimento do acesso, tratamento e transparência de informações sobre a educação na cidade de São Paulo e da retomada do estímulo aos processos de autoavaliação participativa escolar em toda a rede de ensino.
  • Intersetorialidade e efetivação da rede de proteção dos direitos das crianças e dos adolescentes. A efetivação do direito à educação de qualidade, no marco do direito à cidade, ultrapassa o poder das políticas educacionais e exige a articulação da educação com outros campos de políticas como as de saúde, assistência social, cultura, emprego e renda, acesso à justiça, entre outras, principalmente, para populações em situação de vulnerabilidade social. O Estatuto da Criança e Adolescente (1990) prevê a constituição de redes de proteção dos direitos das crianças e dos adolescentes, como parte do sistema de garantias. É fundamental ampliar e fortalecer estratégias intersetoriais[2] e, em especial, os Núcleos de Apoio e Acompanhamento para a Aprendizagem (NAAPAS), responsáveis por estimular as ações intersetoriais na rede municipal de ensino.
  • Educação especial na perspectiva da educação inclusiva. As principais metas para efetivar sua universalização na cidade de São Paulo são: ampliar e fortalecer as equipes do Centro de Formação e Acompanhamento à Inclusão (CEFAI); investir no trabalho colaborativo entre os professores das salas de aulas comuns e das salas de apoio e acompanhamento à inclusão escolar; disponibilizar materiais pedagógicos em formatos acessíveis, equipamentos e recursos de tecnologia assistiva que visem à aprendizagem com autonomia; consolidar uma política de educação bilíngue para surdos usuários de LIBRAS com o fortalecimento das EMEBS; reformar os prédios escolares segundo às normas de acessibilidade vigentes; retomar as iniciativas de formação continuada sobre educação na perspectiva inclusiva para todos os profissionais da educação da rede municipal de ensino; ampliar as ações intersetoriais nos territórios.
  • Fortalecimento da educação de jovens e adultos, com busca ativa de estudantes. Em São Paulo cerca de três milhões de pessoas não concluíram o ensino fundamental e cerca de trezentos mil são analfabetas conforme o Censo 2010. Por isso, coloca-se como uma dívida da cidade retomar o investimento em uma educação de jovens e adultos, com busca ativa de estudantes, realização do Censo da EJA na cidade, ampliação do número de turmas e fortalecimento do MOVA, que possa atender a expectativas educacionais e profissionais de seus demandantes. Vale lembrar que temos apenas cerca de 130 mil matrículas na EJA na rede municipal com baixos recursos disponíveis, ou seja, cerca de apenas 4% da demanda está sendo atendida. Destaque também a necessidade de ampliação e fortalecimento do Programa Transcidadania, iniciativa inovadora de atendimento à população trans da cidade de São Paulo.
  1. Abordagem Metropolitana da Educação – As dinâmicas econômicas, sociais, culturais e ambientais e o cotidiano da população ultrapassam os limites administrativos do mapa dos municípios. Nas franjas distantes do centro de São Paulo, os municípios se confundem, os indicadores sociais são os mais baixos de toda a cidade, a densidade populacional é alta e inversamente proporcional à densidade de empregos, as condições de mobilidade são piores, os serviços públicos são escassos e as áreas rurais e de proteção ambiental estão sempre em risco. Considerando essa realidade, é fundamental que o planejamento e a implementação de políticas educacionais – assim como de outras políticas – avance na perspectiva de uma abordagem metropolitana de São Paulo.
  2. Estímulo à fixação de profissionais de educação em escolas nas periferias da cidade. A melhoria da qualidade exige uma ação firme no sentido do aprimoramento das condições de vida e de trabalho das/dos profissionais de educação, estimulando (por meio de benefícios na carreira) a fixação desses profissionais nas unidades educacionais. Dessa forma, pretende-se incidir na rotatividade de professores existente, principalmente, em centros de educação infantil e escolas de periferia, a favor do fortalecimento de um trabalho pedagógico em equipe, de médio e longo prazo, e de melhores condições para o desenvolvimento de relações dos professores e professoras com os estudantes e a comunidade do entorno. Deve-se também estimular, por meio de benefícios na carreira, o deslocamento de professoras e professores com mais experiência profissional para escolas com os piores indicadores educacionais e desenvolver um programa de fortalecimento do trabalho das gestoras e gestores escolares dessas unidades numa perspectiva em rede com outras unidades educacionais e equipamentos públicos existentes no território.
  3. Mais equipamentos educacionais e oferta de educação de qualidade nas periferias. A partir da meta de equalização nos Planos de Educação, articulada ao Plano Diretor, é necessário investir em mais estabelecimentos educacionais (Centros de Educação Infantil, Escolas, CEUs, Centros de Educação de Jovens e Adultos, Instituições Públicas Profissionais, Universidades etc) e na melhoria da qualidade educacional, incidindo explicitamente no quadro de desigualdades educacionais existentes entre as áreas centrais e periféricas. Tal investimento deve ser feito a partir de um planejamento sensível às necessidades e às potencialidades locais e articular o conjunto da oferta pública no território de responsabilidade dos governos municipal, estadual e federal.
  4. Promoção da educação para igualdade de gênero e sexualidade e defesa ativa da laicidade na educação pública: Com base na legislação nacional e nas normativas internacionais das quais o Brasil é signatário e, em especial, no artigo 8º da Lei Maria da Penha, marcos legais reafirmados em decisões recentes do Supremo Tribunal Federal, é dever do Estado brasileiro promover a educação para a igualdade de gênero e sexualidade como forma de prevenir a discriminação e a violência sofrida por meninas, mulheres e população LGBTQIA+. O município de São Paulo deve retomar os investimentos na institucionalização de uma política de promoção da educação para igualdade de gênero e sexualidade adequadas a cada uma das etapas e modalidades de ensino. A política municipal de educação deve estabelecer mecanismos de defesa ativa da laicidade na educação pública como forma de proteger as escolas da ação autoritária de determinados grupos ultraconservadores, promover o direito humano à liberdade religiosa e o de não professar nenhum religião, defender o principio constitucional da laicidade na educação pública e prevenir o fenômeno da intolerância religiosa.
  5. Circulação pela cidade, ocupação do espaço público e ação afirmativa – A política educacional, articulada ao Plano Diretor, deve atuar na perspectiva de colocar em xeque a lógica segregadora existente na cidade, inclusive, a racial, avançando na perspectiva de adaptação do instrumento de ação afirmativa na ocupação das áreas centrais da cidade. Para educação, significa avançar na aplicação da ação afirmativa não somente para o acesso a vagas, mas também na garantia de condições de permanência de estudantes de regiões periféricas em escolas que apresentam melhores indicadores educacionais, evitando o fenômeno da exclusão dos alunos com piores desempenhos para as escolas com as piores condições de atendimento. Articulada a outras políticas, como as de cultura, transporte, meio ambiente e lazer, em um contexto de superação da pandemia, deve-se estimular que os estudantes, seus familiares e os profissionais de educação conheçam seus bairros e as áreas vizinhas e circulem pela cidade, se apropriando dos bens e espaços públicos existentes (praças, parques, bibliotecas, centros e espaços culturais, centros esportivos etc) e dos patrimônios, saberes e possibilidades desenvolvidas pelas próprias comunidades (saraus de poesia, grupos de teatro, de música, projetos de educação e sustentabilidade, de estímulo à leitura, de memória comunitária etc). Abordar na escola o direito de todos e todas à cidade e garantir o acesso a informação sobre as possibilidades existentes nela (do centro às periferias), assim como condições efetivas de mobilidade, constituem caminhos fundamentais para construir uma cultura democrática que rompa com a lógica segregadora existente na cidade.
  6. Educação e Pandemia – retomada somente em sintonia com às autoridades sanitárias referenciadas na Ciência e com um plano que garanta condições seguras – A cidade de São Paulo é um grande foco da pandemia. Neste contexto, no que se refere à educação, convivemos com o fato de que a maioria dos estudantes da rede municipal não consegue acessar o ensino remoto de suas casas por falta de condições tecnológicas ou de moradia. Caso se estenda por mais tempo a determinação do isolamento social, mesmo com a queda de arrecadação tributária[3], será necessário recompor quadro de profissionais afastados, manter cargos e salários dos profissionais da educação, investir na formação de professoras e professores para o trabalho com ensino remoto e na criação de estratégias para que estudantes e profissionais da educação tenham equipamentos e acesso à internet de suas casas. No caso do retorno presencial pós-COVID é urgente ações e medidas de redução das desigualdades educacionais desde questões de acesso a materiais e equipamento de segurança nas escolas, readequação dos espaços físicos garantindo diminuição de estudantes por sala, bibliotecas com bom acervo, espaços de lazer, laboratórios de informática com internet banda larga nas unidades educacionais; até a revisão da contratação de professores que muitas vezes tem vínculo precário com pouca ou nenhuma condição de exercer um trabalho que garanta o direito à educação. Neste plano de retomada das escolas, deve-se considerar a migração de parcela significativa de estudantes da rede privada para escolas públicas em decorrência do aumento do desemprego decorrente do aprofundamento da crise econômica.

[1] Para saber mais: Educação e Desigualdades na Cidade de São Paulo, Ação Educativa, 2013. Disponível: https://acaoeducativa.org.br/wp-content/uploads/2013/10/EducacaoDesigualdadesSaoPaulo.pdf

[2] Para saber mais: A Escola na Rede de Proteção dos Direitos de Crianças e Adolescentes, Ação Educativa, 2018. Disponível: https://acaoeducativa.org.br/publicacoes/guia-a-escola-na-rede-de-protecao-dos-direitos-de-criancas-e-adolescentes/

[3] Para saber mais: Nota técnica da Coalizão Direitos Valem Mais propondo Piso Mínimo Emergencial para manutenção de serviços essenciais no Orçamento da União 2021, considerando queda brutal da arrecadação de impostos em decorrência da crise econômica. Disponível: https://direitosvalemmais.org.br/wp-content/uploads/2020/09/NOTATECNICA_DVM_LOALDOPEC188.pdf.pdf

O compromisso com a juventude paulistana passa pelo diálogo, pela participação, pela promoção de direitos e por políticas públicas que efetivamente respondam às demandas juvenis


São Paulo é uma cidade que conta com mais de 2,5 milhões de pessoas na faixa dos 15 aos 29 anos de idade, o que corresponde a cerca de 20% da sua população. Desde 2013 o país conta com um Estatuto da Juventude, que prevê direitos específicos para jovens em 11 diferentes temas. No entanto, pouco se fez nos últimos anos no país para monitorar e debater a sua implementação, e na cidade de São Paulo essa realidade não tem sido diferente. Apesar de existir há vários anos na estrutura administrativa municipal uma Coordenação de Juventude, atravessando diferentes gestões, há um processo de enfraquecimento das instâncias de diálogo social no município e cada vez menos se produz informações que possam contribuir para que a sociedade conheça as condições de vida da juventude paulistana e, assim, construir respostas para seus problemas e demandas. O resultado é um processo de invisibilidade que vivem esses e essas jovens no campo das políticas públicas municipais, sobretudo a juventude negra e moradora das periferias paulistanas.

Os desafios, por sua vez, estão aí. As pesquisas indicam que, enquanto o desemprego da cidade de São Paulo atingia cerca de 15,5% de paulistanos em 2019, entre a juventude paulistana esse valor era quase o dobro (28%). A violência policial, cuja principal vítima é a juventude negra, cresceu significativamente em São Paulo no ano passado e os indicadores seguem aumentando. Em 2019 a capital paulista foi marcada por uma ação da polícia militar contra frequentadores de um baile funk na favela de Paraisópolis que resultou em pânico generalizado, diversos feridos e a morte de 9 jovens. Trata-se, também, de uma cidade com índices preocupantes de violência contra mulheres e LGBTTQIA+, como já mostrou a pesquisa “Viver em São Paulo”, da Rede Nossa São Paulo.

Ao mesmo tempo, é alarmante que a cidade venha realizando cortes tão significativos no orçamento da área de assistência social, que, entre outras coisas, mantém o atendimento socioeducativo de jovens. De 2016 para 2019 houve uma queda de 33% no orçamento da Secretaria de Assistência Social, segundo a mesma Rede Nossa São Paulo.

Já no campo educacional é importante considerar a pesquisa realizada pelo Conselho Nacional de Juventude durante a pandemia da COVID 19, a qual indicou que quase um terço da juventude pensa em deixar escolas e universidades após o retorno às aulas, num momento em que o financiamento da educação está ameaçado. Que tipo de suporte o município deve dar aos jovens para evitar essa evasão?

Olhar e dialogar com a juventude e suas agendas

A cidade tem mantido uma Coordenação de Políticas para Juventude (CPJ) que, assim como apresenta o site da prefeitura, “foi criada com o propósito de articular, discutir, fomentar, formular e implementar políticas públicas intersetoriais e diversas para atender a juventude”. Trata-se de uma tarefa muito importante numa cidade. Ter uma equipe e orçamento adequados, um plano de trabalho bem definido, relevância política dentro da gestão, capilaridade na cidade e capacidade de comunicação são condições fundamentais para que a Coordenação cumpra seu papel. Somente assim a Coordenadoria será um espaço com potencial de produzir e sistematizar informações sobre a oferta de políticas, pautar outras secretarias, qualificar serviços e equipamentos e produzir espaços de diálogo com jovens.

Em seu artigo 4º, o Estatuto da Juventude reconhece aos jovens o “direito à participação social e política, e na formulação, execução e avaliação das políticas públicas de juventude.” A cidade possui hoje uma diversidade muito grande de iniciativas potentes lideradas pela juventude em diferentes territórios, especialmente nas periferias. A promoção da participação juvenil passa pelo fortalecimento dessas iniciativas e a capacidade de criar espaços para ouvir essa juventude.

A Ação Educativa é uma das organizações que buscam abrir rodas de diálogo, criar fóruns, buscar compreender as novas formas de jovens se organizarem, conhecendo suas pautas, agendas e questões. Nesse sentido, o Projeto Juventude nas Cidades tem sido uma plataforma importante que, entre seus objetivos, procura impactar as eleições municipais em diversas cidades.

Trata-se de uma iniciativa conjunta que reúne Oxfam Brasil, FASE, IBASE, INESC, Instituto Pólís e Ação Educativa e que vem há três anos reunindo diversos coletivos juvenis no Distrito Federal e nas cidades de Recife, Rio de Janeiro e São Paulo. Na cidade de São Paulo, 40 coletivos juvenis vêm se reunindo para pensar uma agenda de direitos num contexto adverso, de desmonte de políticas públicas importantes e o avanço de agendas conservadoras. A partir de uma série de encontros, representantes desses coletivos construíram uma Carta Manifesto para candidaturas ao legislativo e executivo municipais. Acreditamos que ela traduz uma agenda representativa da juventude do nosso município e é uma referência relevante para pensarmos ações dirigidas a esse segmento. Segue a Carta:

Carta aberta às candidaturas do município de São Paulo

Nós, coletives de juventudes periféricas e integrantes da rede Juventudes nas Cidades, temos movido esforços gerenciando a crise em nossos territórios e ao mesmo tempo reclamamos oportunidades de trabalho e renda, mobilidade social e participação democrática neste momento em que se adensam as desigualdades.

Desde sempre sujeites à violência policial, porém resistentes e criatives, ocupamos as ruas movimentando as bandeiras das torcidas organizadas antifascistas, entregamos cestas básicas, materiais de higiene e informativos que buscam diminuir o impacto da covid 19 nas favelas. Nós, estamos indo às urnas para dizer que Vidas Negras Importam e que, na contramão da produção, pisamos e pisaremos no breque dos apps por uma agenda de trabalho decente.

Esta carta vem reforçar a importância de que a atenção de legisladores e legisladoras esteja direcionada para programas que fomentem a empregabilidade e geração de renda da juventude. Sobretudo neste momento em que é tão crescente a precarização dos vínculos empregatícios, para a parcela da população que é sistematicamente vulnerabilizada.

É urgente possibilitar a profissionalização e a visibilidade positivada dessas corpas, dentro e fora do mercado de trabalho considerando políticas públicas que interseccionem as dimensões de classe, gênero, orientação sexual, raça, deficiência e lugar de moradia.  

As políticas públicas para a juventude são tratadas comumente de maneira setorizada, e entendemos que só conseguiremos sucesso se as demandas de educação, trabalho e cultura forem efetivadas. Por isso faz-se necessário investir em cursinhos populares para preparação ao ingresso em faculdades, sejam estas públicas ou privadas.

Criar programas que defendam a educação, que considerem as questões de gênero e sexualidade, para prevenção de LGBTQIA+fobias, diminuição da evasão escolar e a inclusão de temas como a redução de danos para termos um futuro menos agressivo ao discutir vícios.

Faz 4 anos que os coletivos periféricos que pleiteiam editais públicos municipais, no âmbito das iniciativas culturais, têm visto o orçamento voltado à área estagnar ou diminuir. É de extrema importância frear o sucateamento das políticas culturais. Apontamos a importância de que, a exemplo da lei de Fomento às Culturas das Periferias desenhada pelos movimentos culturais periféricos, surjam iniciativas que ampliem recursos e alternativas para a área, com especial atenção aos territórios vulnerabilizados, para que a linguagem artística e a produção cultural nas periferias sejam opções à espiral de violência a qual crianças, adolescentes e jovens estão submetidos. É necessário também pensar no acesso a equipamentos de cultura dentro das periferias, já que na maioria das vezes quem mantém as atividades destes aparelhos, quando existem, é a própria juventude periférica. Olhar para a cena cultural é destinar remuneração para os jovens que se disponibilizam para tornar a periferia movimento, gerando renda com a mesma frequência gerada para equipamentos do centro, assim garantindo menor tempo de locomoção para trabalho e maior tempo livre para lazer e cultura.

As juventudes periféricas reivindicam os seus direitos, a manutenção e os investimentos em programas já existentes, além de novos projetos e recursos em políticas públicas dirigidas à saúde física e mental de pessoas negras, soropositivas e pcds, levando em conta os recortes sociais de classe, gênero, sexualidade e território. Há que fortalecer centros de apoio como CRAS, CRM’s e CCJ’s. Pensar o financiamento de ações desenvolvidas por coletives nas periferias, como hortas comunitárias e educação ambiental. É urgente aumentar a parcela do orçamento municipal destinado à saúde mental de jovens em situação de vulnerabilidade social, promovendo formação de profissionais da saúde que trabalham diretamente com jovens, para que haja retornos seguros ao trabalho pós pandemia e o fim das discriminações de suas corpas.

Atenção à agenda do desencarceramento e respeito aos direitos humanos como combate à tortura e desmilitarização das polícias. O poder público deve, igualmente, se ocupar das pessoas que têm parentes, filhes e/ou companheires recluses; suprir a falta de políticas básicas que garantam a vida e a reinserção dessas pessoas no mercado de trabalho, com a prevenção e o enfrentamento a violências.

Necessitamos de saúde física e mental, garantia de alimentação, emprego e renda, educação e arte. Destacamos a importância de promover e ampliar espaços de diálogo entre lideranças comunitárias e o poder público que estimulem a organização e participação de jovens tendo em vista a elaboração de políticas que tenham como foco as periferias. Dar acesso aos jovens sobre o Estatuto da Juventude, fazendo valer seus princípios, diretrizes e direitos, direcionar uma leitura e inclusão de pautas sobre transgeneridade e acesso à informação.

Coletivos que fazem parte do Juventudes nas Cidades e assinam essa carta:

Nós Madalenas; Entre Vielas; TRANSferência; Pretateliê; Reggae Action; Baque CT; Slam do  Grajaú; Levante Mulher; Siriricas Co; Hip Hop no Vagão; Natural Brotherhood; Kiki Casa de  Mutatis; Periferia é o Centro; Deck9; Feira Livre de Quebras, Coletivo Acuenda; Cia Quatro  Ventos; Mulekalê; Onilé; Roda Preta; Loka de Efavirenz; Alcova; Biblioteca Comunitária  Solano Trindade/Coletivo Esquerda Força Ativa; Casa Ecoativa; Periferia Preta; Corpos  Marginais, Coletive Zoooom; Das Marias; Pretas Ilustram; Hampateba; Travas da Sul; B. Boys  Parelheiros; Transarau; Boom Box, Coletivo Imigração Educação e Luta; Brasilandia CO;  Coletiva Ocupação;

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