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Encontro do Pacto Digital defende a formulação de políticas de tecnologia e direitos digitais como estratégia de afirmação e proteção de Direitos Humanos

A Ação Educativa, por meio do Projeto TECLA, assumiu compromisso de enviar suas contribuições para o Pacto Digital Global. Faça parte dessa rede e assine o documento (ao final da matéria)

Se, por um lado, o mundo da tecnologia parece uma caixinha de surpresa, de onde não se sabe qual próxima invenção vai sair, qual experiência o mundo digital tem para nos oferecer. Por outro lado, tem muita gente engajada em estabelecer regras, marcos e diretrizes capazes de garantir que as novas ferramentas – independentemente de quais venham a ser –  sejam capazes de garantir o respeito à dignidade humana, a afirmação de direitos e a construção de sociedades e relações menos desiguais.

Parte desse processo tem sido construído por meio da iniciativa do “Pacto Digital Global”, é uma das principais ações propostas pela Organização das Nações Unidas para acelerar o progresso da Agenda 2030, iniciativa ligada às Nações Unidas que visa estabelecer uma agenda comum com, entre outros, “princípios compartilhados para um futuro digital aberto, gratuito e seguro para todos”. Com edições regionais em todos os continentes, o encontro voltado para as Américas foi realizado no México, em fevereiro de 2023.

Tarcizio Silva, integrante da Fundação Mozilla, um dos idealizadores do projeto TECLA – Tecnologia em Ação, foi um dos representantes brasileiros na edição regional. Tarcizio explica que o Pacto representa uma importante articulação devido a grande diversidade dos participantes, passando por governos, sistema das Nações Unidas, setor privado, sociedade civil, organizações de base, instituições acadêmicas e indivíduos não organizados formalmente, com um foco especial na juventude.

O encontro das Américas, explica, permitiu com que fossem pontuadas as expectativas e anseios de uma parte expressiva dos países que compõem o chamado “Sul Global”. Para Tarcizio, se é verdade que questões como segurança de dados, ferramentas de comunicação e acesso à informação são questões comuns, uma vez que as tecnologias digitais são amplamente globalizadas, é importante ressaltar que existem particularidades e desafios próprios que aproximam os países em desenvolvimento. 

Para Tarcizio, a melhoria dos números quanto a democratização do acesso à internet e também o avanço em questões como a promoção de uma educação em direitos em digitais, passam por um comportamento mais proativo do governos, os quais precisam ser cobrados e provocados pela sociedade organizada a promoverem políticas públicas e a atualizarem suas legislações. 

Entre os exemplos nesse sentido, a criação de Fundos Públicos responsáveis por investir e fomentar políticas de acesso à Internet e as demais ferramentas digitais é quase uma unanimidade entre os participantes do encontro . “Os países que apresentam os melhores índices de evolução em políticas públicas digitais criaram algum modelo público responsável por incentivar esse setor. A Europa, por exemplo, tem números avançados porque, há muitos anos, os Estados criaram mecanismos aptos a garantir que os avanços e as decisões não ficassem restritos aos interesses privados”,  pontua.

Contribuições

Para Amandeep Singh Gill, enviado de Tecnologia da ONU, as rodadas de intercâmbio, produziram importante contribuições sobre os direitos humanos com testemunhos muito poderosos sobre “as comunidades que estão ficando para trás, por isso, ao manter um enfoque de direitos individuais, perde-se um certo enfoque comunitário”. Reforçando a centralidade das políticas públicas quanto ao tema das tecnologias digitais, Gill cobrou o que os Estados e demais agentes públicos cumpram o seu dever de promover a regulamentação e autorregulação, e apontou o risco em confiar que “a indústria pode fazer a coisa certa, o que nem sempre acontece”.

Na visão da pesquisadora, Sra. Yawri Carr, a destinação adequada dos bens públicos digitais é a chave para avançar com os “Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”. Para Yawri, todos os tipos de tecnologias disponíveis devem estar acessíveis para todas as pessoas, no momento em que forem necessárias, não tendo como foco principal a competição, e sim o potencial de colaboração e serviço para as pessoas.

Da Codin Rights, a pesquisadora Joana Varon, lembra que a conectividade era o tema principal da agenda de quem debatia questões tecnológicas, hoje soma-se preocupações igualmente urgentes a exemplo dos monopólios tecnológicos que exercem um nível de poder e controle das sociedades bastante preocupante. 

“Os monopólios estão se beneficiando de ameaças às democracias com discursos de ódio, violência de gênero, discriminação social, entre outros. Essas ações estão gerando lucros para essas empresas, bem como informações sobre processos eleitorais, que são monetizados pelos algoritmos e priorizam o envolvimento desses temas tendenciosos em comunidades vulneráveis, como a LGBT, por exemplo”, resume. 

Processo em construção

Além das Consultas Continentais e encontros locais, o Pacto também recebe contribuições individuais, as quais podem ser enviadas de forma virtual. As Nações Unidas disponibilizam uma How-To Guide/ Nota de Orientação que facilita a participação. O formulário é um questionário simples, dividido nas seguintes áreas:

  • Conecte todas as pessoas à internet, incluindo todas as escolas
  • Evite a fragmentação da internet
  • Proteger dados
  • Aplique os direitos humanos online
  • Responsabilidade por discriminação e conteúdo enganoso
  • Regulação da inteligência artificial
  • Bens comuns digitais como um bem público global
  • Outras áreas (“ se ​​houver alguma área adicional que você ache que também deva ser incluída no Pacto Global ”)

A Ação Educativa, por meio do Projeto TECLA, assumiu compromisso de enviar suas contribuições e abrir a carta para colaboração e adesões. Faça parte dessa rede e assina o documento, segue link: https://aeduc.typeform.com/to/RTmo9t8Z. Podem aderir tanto organizações, como ativistas, até sexta-feira, dia 28 de abril, às 12h. 

Leia as nossas recomendações:

Área 1: Conectar todas as pessoas à internet, incluindo todas as escolas

As redes comunitárias despontam como eixo central dessa área. Acreditamos que este é um setor político da sociedade que constrói e discute políticas de acesso à internet, apropriação das diversas tecnologias e regulação de telecomunicações e, por isto, deve ocupar a centralidade do debate em torno do enfrentamento às desigualdades na internet e inclusão digital. 

Princípios chaves:

  • Expressar e valorizar o respeito à diversidade de coletivos organizados por populações quilombolas, indígenas, rurais, tradicionais e periféricas, produtores e trabalhadores auto-organizados, ribeirinhos, pescadores, marisqueiras, quebradeiras de coco, comunidades tradicionais de fundo e fecho de pasto, populações migrantes e refugiados, mulheres, pessoas negras e indígenas, LGBTQIAPN+ e de toda as idades. Reconhecendo que é a diversidade das pessoas que constroem o movimento de redes comunitárias no Brasil;
  • Expressar valores fundamentais que nos unem em nossa diversidade, como a autonomia, o bem-viver, a colaboração, a empatia, as alianças entre lutas sociais. Também a apropriação comunitária de tecnologias sociais e de informação e comunicação, a valorização das formas de viver e dos saberes locais e da existência multicultural dos brasileiros;
  • Reafirmar nosso compromisso com as redes comunitárias como forma de inclusão digital que se conecta com a construção de tecnologias livres, conteúdos locais e processos de participação;
  • Ressaltar que as redes comunitárias integram o ecossistema de inclusão digital, que são parte das diretrizes de políticas públicas de inclusão digital no Brasil, e que devem, portanto, ser parte ativa de processos de discussão, construção, implementação e avaliação de políticas públicas de acesso e telecomunicações;
  • Destacar que as tecnologias da informação e comunicação são indispensáveis para as comunidades na garantia de direitos fundamentais e defesa de territórios;

> Compromissos chaves / Promessas / Ações

  • Levantar e detalhar quais as barreiras e dificuldades enfrentadas pelas redes comunitárias no Brasil, quais as políticas públicas e legislações de incentivo necessárias, bem como a necessidade de democratizar o conhecimento técnico e normativo;
  • Denunciar a falta de recursos financeiros públicos e privados para criação e continuidade de iniciativas lideradas pelas comunidades, os desafios logísticos e topográficos que atravessam os diferentes territórios, os altos custos cobrados por operadoras de internet, a falta de acesso combinada com a violação de outros direitos;
  • Reivindicar o direito a territórios digitais livres e a criação de um ambiente de incentivo às iniciativas de redes comunitárias para a inclusão digital com autonomia de informação e comunicação, incluindo a troca de saberes, a co-construção de tecnologias, a expressão de conteúdos comunitários, a preservação da memória e ancestralidade, a valorização da oralidade e o intercâmbio de saberes diversos;
  • Apontar a importância de que as normas, políticas e estruturas públicas sejam implementadas e respeitadas pelo Estado, não sendo prejudicadas pela alternância de governos que é fundamental à democracia;
  • Criar e fomentar fundos públicos e privados que sustentem o desenvolvimento de tecnologias e aplicações, a partir das comunidades locais, a aquisição de equipamentos e infraestruturas necessárias, à realização atividades de formação, a manutenção da rede social e técnica necessárias para a continuidade dessas redes;
  • Reivindicar a inclusão entre as políticas públicas de acesso a co-construção de ações de capacitação tecnológica, política e regulatória, e para o fortalecimento das formas de auto-gestão das comunidades nos territórios; 
  • Incentivar a existência de processos de diálogo e a construção de espaços seguros de fala para que as comunidades tenham influenciam na definição das políticas públicas ligadas a regulação da Internet e demais tecnologias comunitárias;
  • Viabilizar formas de apoio para a manutenção e sustentabilidade das redes locais;

Fonte: edição adaptada Carta Redes Comunitárias, feita pelo Comite de Redes Comunitárias 10 e 11 de Novembro de 2022 (link para acessar a carta da integra https://ibebrasil.org.br/2022/11/carta-de-redes-comunitarias-pela-inclusao-digital-de-todes-novembro-22/

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Área 6. Regulação de inteligência artificial

A Inteligência Artificial é amplamente utilizada em várias esferas da nossa vida cotidiana. No entanto, muitas aplicações são movidas por pressupostos errôneos da capacidade de aprendizagem e funcionamento autônomo dos algoritmos ou por implementações que podem ferir os direitos humanos. Portanto, é preciso dialogar amplamente, assegurando a pluralidade de vozes, ao pensar em melhores práticas e padrões para o desenvolvimento de diretrizes tecnológicas para Inteligência Artificial, verdadeiramente, comprometidas com a defesa e promoção de direitos humanos.

Princípios

  • Assumir o compromisso com o combate à discriminação racial, em uma perspectiva alinhada com o direito internacional no contexto de tecnologias digitais emergentes;
  • Promover práticas de “não-discriminação negativa”: políticas públicas, leis e mecanismos regulatórios devem ser desenvolvidos com o considerando raça/etnia, gênero, região, origem e outras variáveis, assim como suas interseções; 
  • A “neutralidade” é racializada! Eliminar vieses de discriminação;
  • Defender a centralidade dos direitos humanos e fundamentais na ideação, desenvolvimento, implementação, regulação e controle social de tecnologias 
  • Garantir o desenvolvimento da Inteligência artificial de forma a evitar o monopólio e a centralização
  • Promover privacidade e governança de dados; 
  • Oferecer agência, autonomia e remuneração justa a trabalhadores;

Compromissos

  • Estados, universidades e o setor privado devem se comprometer a investir no desenvolvimento de tecnologias digitais que não representem riscos conhecidos ou projetados a direitos humanos;
  • Banimento do desenvolvimento de tecnologias digitais emergentes com evidências de discriminação racializada, a exemplo de vigilância biométrica remota em massa; reconhecimento de expressões faciais, identificação de gênero e sexualidade; publicidade segmentada por características psicográficas; armas letais e não-letais semiautônomas ou autônomas; entre outras;
  • Desenvolvimento de abordagem regulatórias deve considerar análise ex-ante que inclua identificação interseccional e interdisciplinar sobre impactos previstos das tecnologias digitais emergentes, com a participação das comunidades possivelmente impactadas;
  • Reivindicar que Estados supervisionem plataformas de intermediação algorítmica de trabalho e estabelecer políticas públicas de regulação ou de fomento em prol da defesa e geração de empregos justos;
  • Estabelecer que Estados, setor privado, sociedade civil e academia desenvolvam políticas mensuráveis de inclusão para combater a falta de representatividade de pessoas negras, mulheres, pessoas com deficiência, LGBTQ+ e suas interseções na idealização, desenho, desenvolvimento, análise, supervisão e implementação de tecnologias digitais emergentes;
  • Exigir que sistemas de alto risco e/ou larga escala, obrigatoriamente, prevejam análises análise de impacto de justiça racial. Este procedimento deve incluir a participação de avaliadores independentes e também de com representação das comunidades impactadas e sociedade civil;
  • Criar alternativas públicas, sem fins lucrativos ou infraestrutura de propriedade dos trabalhadores para competir ou substituir empresas de extração de dados. Implementar transparência obrigatória de código e dados, compartilhados de monopólios de tecnologia, para permitir alternativas públicas ou sem fins lucrativos.

Fontes: “Racial discrimination and emerging digital technologies: a human rights analysis” – documento da Relatora Especial E Tendayi Achiume ao Conselho de Direitos Humanos da ONU; “Data Capitalism and Algorithmic Racism”, por Data4BlackLives e Demos; “Trustworthy AI”, Mozilla Foundation; “Prioridades Antirracistas sobre Tecnologia e Sociedade”, documento coletivo..

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Área 7. Digital commons (bens comuns digitais) como bens globais públicos

Os Recursos Educacionais Abertos (REA) são materiais de ensino, aprendizagem e pesquisa e que estão disponíveis em uma variedade de suportes, incluindo formatos digitais e não digitais. Estes recursos podem estar em domínio público ou sob licença aberta que permitem o acesso, uso, adaptação e redistribuição gratuitos por terceiros, com poucas ou nenhuma restrição. Tratar dessa agenda ao discutir bens globais públicos é direcionar o olhar do conhecimento livre também para o campo da educação básica, tão fundamental na construção de uma visão crítica social. Afinal, o objetivo principal do REA é garantir que o conhecimento esteja acessível a todos, promovendo a igualdade de oportunidades na educação, reconhecendo o lugar de educadores como produtores de conhecimento.

> Princípios Chave

  • Tornar o conhecimento acessível para todos;
  • Estimular a liberdade e a criatividade na produção;
  • Fomentar a colaboração, a participação e o compartilhamento;
  • Reconhecer os educadores e estudantes como autores.

> Compromissos chaves / Promessas / Ações

  • Integrar a tecnologia de forma produtiva e planejada na sala de aula para incentivar a autoria de professores e alunos;
  • Melhorar o conhecimento já existente e permitir sua adaptação para realidades locais;
  • Aprimorar e compartilhar universalmente o material didático e outros recursos educacionais para apoiar a aprendizagem;
  • Compartilhar recursos de aprendizagem entre instituições, acadêmicos e comunidades de prática;
  • Adotar padrões técnicos que tornem os recursos mais interoperáveis e fáceis de integrar em diferentes contextos de ensino e aprendizagem.
  • Garantir um melhor uso do investimento público em educação;
  • Criar licenças flexíveis para permitir um uso mais amplo e legal de materiais didáticos;

Fonte: Sebriam, Débora; Markun, Pedro; Gonsales, Priscila. Como implementar uma política de Educação Aberta e Recursos Educacionais Aberto (REA): guia prático para gestores / Débora Sebriam, Pedro Markun e Priscila Gonsales. Prefácio de Flávia Lefévre e Alexandre Schneider. Apresentação de Priscila Gonsales. – São Paulo: Cereja Editora, 2017.

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