O evento fez parte do marco de comemoração de 20 anos da organização e recebeu as contribuições de Silvio Bock, doutor em educação pela Unicamp e diretor do Nace – Orientação Vocacional (inserir link: http://www.nace.com.br/); Regina Oshiro, professora de história da E. E. Professor Moacyr Campos; Marcelo Morais, egresso do Ensino Médio da rede estadual paulista; e Raquel Souza, assessora da área de Juventude da Ação Educativa.
Para Marcelo Morais, o debate é fundamental para pautar a constante desvalorização do Ensino Médio e de seus profissionais, além do seu atual modelo curricular, que não valoriza a criticidade dos educandos.
“Na minha concepção de mundo, a gente precisa de uma educação libertadora, de uma educação que valorize a criticidade. Só com educandos livres pautamos uma efetiva entrada no mercado de trabalho”, afirmou.
“Temos mais de 60% dos nossos jovens, de 15 a 29 anos, fora de alguma instituição de ensino”, alertou Marcelo. Para ele, é de suma importância pautar orientação profissional em i instituições de ensino, sobretudo públicas, onde estão muitos jovens que ora não têm noção do que fazer ao terminar o Ensino Médio, ora não possuem uma chance de escolha ou perspectiva nesse sentido.
Participante do processo que deu origem ao projeto Tô no Rumo da Ação Educativa, Marcelo trouxe o lugar do estudante na discussão da escolha profissional, especialmente em escolas públicas e periféricas, e questionou: o que é o Ensino Médio? Ele prepara para o vestibular? Ele prepara para o mercado de trabalho? Deveria ser um Ensino Médio geral, de formação para a vida?
A professora Regina Oshiro concorda que o tema deve ser mais visível. Com 27 anos de magistério em escola pública, ela relata a primeira vez que se deparou com o tema da escolha profissional no âmbito educacional, há mais de dez anos: numa iniciativa que agregava diversas oficinas realizadas por estudantes, a mais concorrida foi aquela que tratava de orientação profissional.
Parceira do Tô no Rumo desde o início, Regina relata que atualmente vários professores da escola são engajados no tema e pontua determinadas questões: para ela, houve um empobrecimento da escola pública. Aqueles que ficaram, de maneira geral, não entendem o novo público que adentra. Dessa forma, há um abandono intenso da ideia da escola como espaço revolucionário.
Orientação profissional e liberdade de escolha
Silvio Bock expôs brevemente o que se tem pensado sobre o tema da orientação. O especialista possui uma extensa obra voltada para o debate sobre o assunto, especialmente entre as classes populares e os estudantes de escolas públicas.
Segundo Silvio, os famosos testes vocacionais foram criados para serem aplicados nas escolas, separando aqueles que poderiam seguir uma carreira escolar daqueles que não teriam condições intelectuais para isso. Dessa forma, eles tinham como função discriminar e dividir os estudantes.
Mais para frente, os testes vocacionais se transformaram em pesquisas de amplo aspecto, que estabeleciam padrões. Eram consequência dos testes de Q.I. (Quociente de Inteligência) – conceito de inteligência que prevaleceu até da década de 1950. Ou seja, quando existia algum tipo de orientação profissional, elas aconteciam nesse sentido.
Silvio explicou os pressupostos teóricos presentes por trás dos testes: acreditava-se que a sociedade oferecia as mesmas condições para todos e que dependia do indivíduo sua promoção social e profissional. Era meados da década de 50 e não existiam, portanto, muitas opções universitárias.
Com o início da ditadura militar e a política de Ensino Médio profissionalizante para todos, Silvio conta que o jovem de classe média alta conseguia continuar seus estudos em cursinhos preparatórios para o vestibular através de brechas na lei.
Já em 1968, com a movimentação da juventude estudantil, a solução do ensino técnico para todos pretendeu conter a demanda pela universidade, que se tornava crescente. De acordo com Silvio, estudiosos da orientação começam a se questionar, no final da década de 1970, a ideia liberal de que existia liberdade de escolha e que as condições são iguais para todos os jovens.
“Começou-se a apontar que é uma farsa discutir escolha profissional com populações de escola pública de baixa renda. Começou-se a denunciar que esta ação, junto a populações de baixa renda, era uma ação ideológica que tinha como pressuposto disseminar a ideologia da classe dominante para populações que, na verdade, não tinham escolha”, conta Silvio. A lógica acabava culpabilizando o próprio estudante pelo seu insucesso.
Nesse sentido, os autores marxistas, críticos, opinavam que se deveria parar de fazer orientação. Para Silvio, eles tinham, em parte, razão, já que a orientação profissional se pautava nos princípios do liberalismo, mas acabaram por dizer que a população de baixa renda agia como autômato da classe dominante, sem poder de escolha.
Durante algum tempo, a ideia era transformar os espaços de reflexão de escolha profissional para a análise do trabalho na sociedade em que viviam – conversava-se, assim, sobre os pressupostos da sociedade capitalista, em um trabalho de conscientização para a luta pela superação da sociedade de classes. Essa ideia prevaleceu por certo período no campo da orientação.
No entanto, um grupo de estudiosos começou a criticar essa visão, pois pensavam que a orientação profissional não tinha apenas a função de transmitir a ideologia da classe dominante. Apesar de ser usada dessa maneira, eles apostavam em outra forma de orientação. Concretamente, observou-se que algumas pessoas conseguiam fazer uma trajetória diferente. Mesmo aquelas que em teoria não escolhiam, percebeu-se que, em determinado momento de suas vidas, elas realizavam uma escolha sim.
“Dizer que a população de baixa renda não escolhe é imaginar que essa população é robotizada. Ela não pensa. Simplesmente reage de forma automática à ideologia da classe dominante e não toma decisões”. Segundo Silvio, a prática dizia outra coisa: nem todo mundo faz a mesma trajetória sob as mesmas condições.
“Portanto, existe um indivíduo aí. Coisa que anteriormente as teorias críticas desconheciam. Para elas, na verdade, não existia o indivíduo, existia a massa, que agia com um comportamento geral”, explicou. A partir disso, pensou-se numa perspectiva de orientação profissional, mas sem os princípios do capitalismo – como a meritocracia e o esforço individual como superação das dificuldades.
A partir de 2004, as políticas educacionais começaram a mudar, oferecendo concretamente possibilidades de formação universitária para populações que jamais haviam chegado na universidade. “Isso traz uma modificação importante, que coloca a possibilidade do jovem de baixa renda de fato chegar à universidade”, afirmou Silvio.
No entanto, ele traz uma questão: que curso esses jovens vão fazer? Para ele, essas políticas não pressupõem nenhuma reflexão a respeito de qual caminho as pessoas podem seguir e não existe ainda nenhum incentivo para isso. Outro ponto de sua crítica é o acesso pelo número de pontos, ainda meritocrático. Silvio faz uma analogia com a abertura de porteiras no mundo rural: quando você abre, o gado entra, não importa qual a direção.
Tô no Rumo: histórico
A partir da análise de que as políticas públicas de educação, de modo geral, eram construídas a revelia do que pensava professores e estudantes, a Ação Educativa, em 2007, elaborou um projeto que tinha como principal objetivo consultar e mobilizar professores e jovens a dizerem que Ensino Médio eles queriam. Nesse momento, nasce a semente do que é atualmente o Tô no Rumo: Jovens e Escolha Profissional.
Ao longo do ano, construiu-se um processo intenso de consulta, informação e mobilização para se pensar a questão proposta, envolvendo uma pesquisa quantitativa, com 800 estudantes, e grupos de diálogo, com mais de 200 estudantes, professores e diretores de escola.
Nessa época, o projeto se chama Jovens Agentes pelo Direito à Educação, porque trabalhava, justamente, com a perspectiva de mobilizar os jovens em defesa de seus direitos. Entre os pontos levantados, pediam-se escolas menos precárias e melhores condições de trabalho para professores, por exemplo. Mas também tanto professores, quanto os jovens e seus pais, diziam que a escola de Ensino Médio deveria trabalhar as perspectivas e possibilidades do que existe para além dessa fase de ensino.
“O que descobrimos é que havia uma demanda forte, presente na fala dos estudantes e reconhecida como legítima pelos professores e reconhecida pelos pais era: a escola de ensino médio como etapa final da educação básica deveria inserir no seu programa, no seu currículo e no cotidiano, atividades, ações e uma preocupação com o que os jovens fariam depois da escola”, conta Raquel Souza, assessora da área de Juventude da Ação Educativa.
Raquel explicou que essa preocupação estava fortemente conectada com duas dimensões da vida dos jovens: o trabalho posterior ao Ensino Médio e o acesso ao ensino superior. O projeto trabalhava com jovens de escola pública de bairros periféricos da cidade de São Paulo, que tinham em seu horizonte o trabalho depois de finalizado o ensino. Ao mesmo tempo, eles também vislumbravam a continuidade de seus estudos, através do ingresso na universidade e a partir de programas e políticas públicas que abordavam especificamente essa questão, implementadas desde 2004.
Com a posse dessas ricas informações, constitui-se um grupo de trabalho com professores e estudantes para se formular uma resposta prática para as escolas, no sentido de levar essa questão para seu cotidiano. Essa experiência então deu origem ao Tô no Rumo, metodologia que “consiste num conjunto de atividades, de temas de discussão, de reflexão que visam apoiar, promover um espaço de reflexão de estudantes de Ensino Médio sobre escolha profissional, continuidade dos estudos e perspectivas de inserção no mundo do trabalho”.
O Guia Tô no Rumo: Jovens e Escolha Profissional, destinado a professores que atuam com jovens, sobretudo no Ensino Médio, reúne subsídios e sugestões de atividades para animar o diálogo sobre as diferentes dimensões que permeiam os processos de escolha e inserção profissional, além de materiais de apoio e fontes de informação. Acesse aqui o conteúdo.
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