Notícias
Compartilhar

O direito à educação de mulheres privadas de liberdade segue em disputa judicial

Em 7 de novembro, audiência que ocorrerá em São Paulo decidirá sobre a oferta de ensino noturno no âmbito da educação de jovens e adultos para detentas da Penitenciária Feminina de Santana

A Ação Civil Pública sobre a oferta de ensino noturno na Penitenciária Feminina de Sant’Ana ainda está em tramitação. Em 7 de novembro haverá uma nova audiência e todas as entidades que compõem o Grupo Educação nas Prisões seguem mobilizadas. Independentemente do resultado, as organizações já obtiveram uma primeira conquista: a visibilidade pública de tema pouco debatido e até mesmo marginalizado, seja no âmbito do Estado ou nos meios de comunicação.

Em 2012, tendo em vista a legislação vigente, o Grupo de Educação em Prisões¹, constituído por um conjunto de instituições na luta pelo direito à educação em prisões, tomou a iniciativa de recorrer diretamente à via judicial para defender o direito à educação de pessoas jovens e adultas privadas de liberdade. A estratégia fazia parte de uma série de ações articuladas que visavam a implementação das Diretrizes Nacionais no Estado de São Paulo.

A ação visava enfrentar dois grandes obstáculos frequentemente encontrados no debate com os poderes Legislativo e Executivo: (1) o argumento de que não haveria recursos e estrutura para a ampliação do número de vagas e matrículas nas unidades; (2) a impossibilidade que se alegava, por questões de segurança, da oferta noturna de educação, oferta necessária para que não haja coincidência com o horário de trabalho das presas e presos.

A partir de uma pesquisa realizada em 2011 em uma Penitenciária Feminina da cidade de São Paulo (Penitenciária Feminina de Sant’Ana), constatou-se o enorme interesse das presas em estudar, pois 79% declararam que gostariam de poder estudar na prisão. Entretanto, na prática, há uma baixa adesão, pois ocorre um conflito do horário das aulas com o horário de trabalho. Entre a educação e o trabalho, pouco remunerado e com remição garantida, as presas acabam por priorizar o trabalho. Nesse contexto, a Ação Civil Pública nº 0015931-64.2012.8.26.0053 foi proposta com o objetivo de garantir às presas da PF Santana o que deve ser garantido a todos os jovens e adultos que querem estudar: oferta educacional adequada às condições do educando que, no caso delas, significa educação noturna.

Desde 2012, desenvolveram-se vários passos processuais dessa ação judicial. Em todos eles o Estado reafirma a inviabilidade do pedido por questões de segurança nas unidades prisionais. Durante uma audiência de conciliação, foi determinada pelo juiz a realização de uma nova pesquisa para averiguar a permanência do interesse em estudar por parte das presas. Em março de 2014, estudantes e advogados entraram na Penitenciária Feminina de Sant’Ana para realizar o levantamento amostral.

A nova pesquisa confirmou o quadro de precária escolarização da população feminina privada de liberdade: 57,2% das detentas não tinham concluído o ensino fundamental obrigatório e 91,8% não concluíram o ensino médio, etapa final da escolarização considerada como básica no Brasil. A necessidade de estudar no período noturno foi indicada por 87,2% das entrevistadas, sendo composta, em sua grande maioria, por mulheres que trabalham e que estudariam caso houvesse oferta noturna adequada.

Educação no sistema prisional brasileiro

O Brasil tinha 607 mil presos em junho de 2014. Desde o ano 2000, o país tem, em média, uma taxa anual de crescimento médio do número de presos de 7% ao ano. Deste grande contingente de pessoas privadas de liberdade, somente 10% realizavam alguma atividade educacional em 2014, segundo as informações do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), sem considerar o Estado de São Paulo, que possuía cerca de 36% dos presos do país, mas não enviou as informações relativas às atividades educacionais dos encarcerados. Em alguns estados do país, como o Rio de Janeiro, apenas 1% dos presos estavam realizando alguma atividade educacional.

O baixo índice de atendimento educacional contrasta com o grande número de presos que não concluíram os estudos em nível básico. Verificava-se que, em 2014, 6% dos presos eram analfabetos, 47% tinham concluído o ensino fundamental e apenas 11% dos presos tinha o ensino médio completo. Deve-se mencionar ainda que 56% deles eram jovens entre 18 e 29 anos, sendo que apenas 8% tinham idade igual ou superior a 46 anos.

Essa situação se mantém mesmo depois da elaboração das Diretrizes para a Política Nacional de Educação em Prisões (Resolução CNE nº 2/2010), que inseriu a educação nas prisões na modalidade Educação de Jovens e Adultos (EJA), garantindo a presença de profissionais habilitados na condução das atividades, o financiamento público, material didático e merenda escolar. Enfim, os educandos internos ao sistema prisional passaram a usufruir dos mesmos direitos garantidos aos educandos que frequentam as redes públicas de ensino fora dos muros da prisão. Tal resolução fortaleceu o direito à educação dos encarcerados, que deve ser o mesmo de qualquer cidadão brasileiro.

Veja o parecer da Procuradoria de Justiça de Interesses Difusos e Coletivos sobre a ação aqui.

¹Faz parte do Grupo de Educação em Prisões, criado em 2006: Ação Educativa – Assessoria, Pesquisa e Informação; Conectas Direitos Humanos; Defensoria Pública do Estado de São Paulo; Instituto Terra Trabalho e Cidadania; Instituto Práxis Direitos Humanos; Geledés – Instituto da Mulher Negra e Pastoral Carcerária.

Comentários: