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Resultados do Relatório de Monitoramento Global de Educação para Todos 2013/4

No dia 29 de janeiro, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) lançou o Relatório de Monitoramento Global de Educação para Todos 2013/4.

Publicados anualmente os Relatórios monitoram o progresso global dos seis objetivos de Educação para Todos, a saber: i) Cuidados na primeira infância e educação; ii) Educação primária universal; iii) Habilidade para jovens e adultos; iv) Alfabetização de adultos; v) Paridade e igualdade de gênero; vi) Qualidade da educação. O objetivo dos Relatórios é informar gestores de políticas públicas sobre questões temáticas específicas relativas às áreas que a organização acompanha (educação, ciência e tecnologia e cultura). Com isso a UNESCO busca realizar suas atividades de monitoramento, advocacy e mobilização de recursos ao redor do mundo.

O Relatório apresenta uma diversidade de dados e suas fontes são várias, incluindo o Instituto de Estatística da UNESCO (UNESCO Institute for Statistics – UIS) – com cálculos e análises realizados pela própria equipe do UIS – e dados de outras agências do sistema ONU, o Banco de Dados sobre Desigualdade no Mundo em Educação (World Inequality Database on Education), dados do Fundo Monetário Internacional (International Monetary Fund) e do Grupo Banco Mundial (World Bank Group), corporações como Development Finance International, articulações internacionais como a OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), agências internacionais como a OXFAM, além de uma quantidade enorme de institutos e organizações em diversas regiões do mundo que desenvolvem estudos sobre as temáticas abordadas no Relatório.

Tendo em vista a aproximação do prazo estipulado para o alcance das metas Educação para Todos (EPT), assim como dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, o Relatório em questão buscou atualizar a situação do progresso em direção aos seis objetivos de EPT, apresentar evidências sobre a importância da educação para se atingir os objetivos de desenvolvimento pós-2015, e abordar o problema da crise global de aprendizagem apresentando, ao fim, políticas a serem implementadas para sua superação.

Resumidamente, conforme apresentado no Relatório, a situação dos objetivos é a seguinte:

 

 

O Relatório defende que para uma avaliação mais clara do progresso no alcance dos objetivos é preciso que metas nacionais passem a existir nos países. A ampliação da alocação de recursos para a educação é outro fator considerado prioritário, com a sugestão de que seja acordada uma meta específica para que os países aloquem, pelo menos, 6% do PIB para educação; para isso o Relatório defende reformas para aumentar a relação impostos/PIB e os gastos públicos em educação.

Entre os países da OCDE a média de investimento por aluno/a na Educação Básica, considerando a paridade por poder de compra, está acima de US$ 7.000, no Brasil a média é de US$ 2.000, enquanto que entre os países de baixa renda o valor gasto por criança na educação primária é de US$ 102.

Outro gargalo identificado pelo Relatório foi a mudança nos padrões de investimento de um grande número de doadores tradicionais. A ajuda direta à educação caiu um ponto mais do que a ajuda geral para outros setores, entre 2010 e 2011, de 12% para 11%, sendo que a redução atingiu justamente os países de renda mais baixa. Somado a isso, vale ressaltar que parte significativa da ajuda tem sido feita na forma de empréstimos, o que é altamente desfavorável aos países mais pobres que correm o risco de se tornarem dependentes desses empréstimos, comprometendo seus recursos próprios e a capacidade de financiamento dos serviços públicos nacionais.

Com a redução da ajuda dos países ricos, a parceria multilateral Aliança Mundial para a Educação (Global Partnership for Education – GPE) se tornou uma importante fonte de financiamento para esses países. As contribuições dessa rede são reportadas ao Comitê de Assistência para o Desenvolvimento (CAD), da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que monitora suas ações.

A questão das disparidades de gênero também foi abordada com destaque, com a importância da inclusão de meninas no sistema educacional que são as mais prejudicadas pela desigualdade e exclusão.

Um dos focos do Relatório é o apoio aos professores para acabar com a chamada crise da aprendizagem – definida como “a falta de atenção à qualidade da educação, bem como a incapacidade de alcançar os marginalizados”. Para resolver essa crise o documento defende que todas as crianças devem ter professores qualificados e motivados e que sejam respaldados por sistemas educacionais bem administrados, assim como um currículo adequado e um sistema de avaliação apropriado. De acordo com o documento, “A chave para garantir que todas as crianças tenham sucesso na escola consiste em capacitá-las para adquirir habilidades básicas fundamentais, como a leitura e as operações matemáticas”. Para superar a crise da aprendizagem os decisores políticos devem focar na contratação, no treinamento, alocação e retenção dos professores.

Nos países mais pobres o desafio é maior, pois precisam melhorar tanto o acesso, como a qualidade e a igualdade no sistema escolar. As desvantagens na aquisição de habilidades básicas são aprofundadas por uma combinação de pobreza, gênero, localização e grupo étnico. Para o Relatório, “a fim de melhorar a aprendizagem para todos, os planos nacionais de educação devem melhorar a qualidade e o gerenciamento dos professores”. Entre 2011 e 2015, seriam necessários 3,7 milhões de professores para compensar o déficit existente (considerando os professores que irão de aposentar, mudar de profissão ou deixar o trabalho em função de doença ou morte) e garantir que não se tenha mais do que 40 alunos por professor. A África Subsaariana responde por 58% dos professores de educação primária necessários.

Por fim, o Relatório apresenta as “10 reformas educacionais mais importantes, que os decisores políticos deveriam adotar para se alcançar a aprendizagem para todos”, sendo elas:

1- Acabar com o déficit de professores;

2- Atrair os melhores candidatos para lecionar;

3- Qualificar os professores para que eles atendam às necessidade de todas as crianças;

4- Preparar tutores e formadores para apoiar os professores;

5- Levar os professores para onde eles são mais necessários;

6- Utilizar planos de carreira e salários competitivos para reter os melhores professores;

7- Melhorar a governança dos professores para maximizar o impacto;

8- Fornecer aos professores currículos inovadores para melhorar a aprendizagem;

9- Desenvolver avaliações em sala de aula, para ajudar os professores a identificar e apoiar os alunos que correm o risco de não aprender;

10- Disponibilizar informações mais precisar sobre professores treinados.

O documento diz que as 10 estratégias esboçadas baseiam-se em dados de políticas, programas e estratégias bem-sucedidas de uma ampla gama de países e ambientes educacionais.

 

Educação para Todos e o Brasil

No caso específico do Brasil, o país se encontra entre os 53 países que ainda não atingiram e estão longe de atingir os Objetivos de Educação para Todos até 2015, ainda que avanços tenham ocorrido ao longo das duas últimas décadas.

De acordo com o Relatório o Brasil apresentou os seguintes avanços:

Acesso ao Ensino Fundamental está quase universalizado, com 94,4% da população de 7 a 14 anos incluídos nesse nível de ensino;
A proporção de jovens na idade própria que se encontra no Ensino Médio é mais que o dobro da existente em 1995, mostrando expressivo avanço no acesso à educação secundária;
Redução das taxas de analfabetismo entre jovens e adultos;
Aumento no acesso ao Ensino Superior.

Entretanto, esses dados apresentam diversas questões que devem ser problematizadas, principalmente por causa das desigualdades sociais, regionais, raciais e de gênero presentes no ensino público brasileiro e que não aparecem nas estatísticas gerais sobre o país.

De acordo com o Relatório da UNICEF, “Iniciativa Global Pelas Crianças Fora da Escola: todas as crianças na escola em 2015”, publicado em 2012, no Brasil existem mais de 3,7 milhões de crianças e adolescentes de 4 a 17 anos sem acesso à educação.

Em relação ao Ensino Infantil há diversos gargalos resultados das desigualdades de renda e geográfica no país. A taxa de frequência à escola das crianças de 4 e 5 anos das famílias mais ricas é de 92%, aproximadamente, enquanto que a das famílias mais pobres fica em 67,8%; nas regiões rurais essa taxa cai para 63,5% contra 77,4% nas áreas urbanas.

Ainda que o acesso ao Ensino Fundamental seja considerado praticamente universalizado no Brasil, 15% das crianças de 8 anos no país não estão alfabetizadas consequência de um novo tipo de exclusão, agora não mais pela ausência de vagas, mas sim pela qualidade da oferta. Além disso, aproximadamente 540 mil crianças e adolescentes entre 6 e 14 anos estão fora desta etapa crucial da escolarização, sendo que 61,6% desse total são negros (PNAD, 2011).

No Ensino Médio, enquanto a proporção de jovens cursando esse nível de ensino está em torno de 77,9% entre os 20% mais ricos, cai para 32% entre os 20% mais pobres (PNAD 2009). A questão da distorção idade-série é outro agravante, principalmente nas etapas finais de ensino. Embora cerca de 80% dos jovens de 15 a 17 anos estejam matriculados na escola, apenas 52% (taxa de matrícula líquida) estão no Ensino Médio. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2011, nesta faixa etária, muitos abandonaram a escola, 15,1% não estudam e 25,5% ainda permanecem no Ensino Fundamental.

A distorção e o abandono observados no Ensino Fundamental e Médio deveriam ser acompanhados por um aumento nas matrículas de Educação de Jovens e Adultos – EJA, mas não é o que ocorre. Embora a taxa de analfabetismo das pessoas de 15 anos ou mais de idade tenha sido de 8,7%, em 2012, o que corresponde ao contingente de 13,2 milhões de analfabetos, resultados preliminares do Censo Escolar 2013, divulgados pelo Ministério da Educação, indicam que houve uma redução de 20% em comparação com 2012 na quantidade de matrículas ofertadas nessa modalidade. Dentre as consequências dessa diminuição na oferta de EJA está o fato de que apenas um em cada quatro brasileiros domina plenamente as habilidades de leitura, escrita e matemática.

Em relação à expansão da oferta no Ensino Superior, é importante ressaltar que esse aumento tem sido promovido em consequência do crescimento vertiginoso da presença privada entre as instituições de ensino. Entre 1997 e 2010 o número de matrículas no Ensino Superior em instituições privadas aumentou de 400 mil para 1,2 milhões. Em 2010, apenas 400 mil matrículas estavam em instituições públicas. Lembrando que, por conta do sistema meritocrático de acesso ao Ensino Superior através dos vestibulares, aqueles que conseguem ingressar nas instituições públicas são, em sua maioria, provenientes de classes mais ricas que tiveram acesso a uma Educação Básica de melhor qualidade – ainda que programas de ações afirmativas, como as cotas, tenham proporcionado uma oportunidade para o ingresso de alunos/as de estratos sociais mais pobres.

As desigualdades sociais e econômicas no Brasil produzem um abismo entre os indicadores dos estratos mais ricos e dos mais pobres. Enquanto a escolaridade média da população extremamente pobre, acima de 15 anos, é de 3,4 anos a dos considerados não pobres é de 9,5 anos (PNAD 2011).

Sobre o financiamento da educação pública no Brasil

Assim como nos demais países, o financiamento da educação pública é uma decisão política resultado de pressões sociais, econômicas e culturais presentes no país e refletidas nos seus arranjos institucionais vigentes. Os recursos aplicados na educação é pauta de intensa discussão entre o governo federal e movimentos e organizações da sociedade civil envolvidos com educação desde a Constituição de 1988 e, atualmente, ganhou força novamente com a elaboração do novo Plano Nacional de Educação 2011-2020, em tramitação no Congresso, que defende a elevação dos atuais 5,3% do PIB destinados para a educação para 10%.

Dentre as possibilidades de ampliação do financiamento para educação no Brasil estão: i) tributos, ii) rendas do pré-sal, iii) folga-fiscal, iv) outras fontes não tributárias, e v) melhorias de gestão e controle social dos gastos públicos (IPEA, 2011). O problema maior não está nas propostas de financiamento, mas nas disputas e desafios políticos para a efetivação dessas ideias. Alterações no sistema tributário, ainda que necessários, se mostram muito difíceis e implicam também em uma estrutura que garanta a destinação apropriada dos recursos. Uma nova estrutura de políticas de financiamento para educação envolve embates políticos e um jogo de forças no qual a participação da sociedade e o reconhecimento da prioridade da agenda educacional são fundamentais.

A valorização dos professores está fortemente presente entre os problemas que compõem o sistema educacional brasileiro, entretanto não é o único. A crise educacional no país envolve outros desafios que tem suas raízes nas desigualdades sociais historicamente presentes. A exclusão da população negra e dos pobres ao acesso a serviços públicos básicos implicou na formação de um contingente enorme de jovens e adultos que não veem seus direitos garantidos e vivem à margem da sociedade. Apesar do alto número de jovens e adultos analfabetos no país, as políticas públicas não priorizam a EJA. A Educação Básica se tornou o foco das diretrizes políticas nacionais (e internacionais) aumentando ainda mais o abismo de grande parte da população que não teve, e dificilmente terá, seu direito à educação garantido.

As condições de acesso às escolas também fazem parte do problema, sendo necessário ampliar a oferta de transporte público de qualidade que atenda todas as regiões, inclusive áreas rurais. A própria infraestrutura das escolas também precisa receber investimentos para poder garantir um espaço descente e saudável de ensino.

Observa-se, portanto, que embora tenha havido uma melhora no acesso ao ensino, principalmente no nível fundamental, a situação da escolaridade no país ainda apresenta vários problemas, estando esses diretamente relacionados com a questão social e as múltiplas desigualdades presentes na sociedade brasileira. Para superar esses entraves no sistema educacional do país são necessários tanto investimentos financeiros, para garantir escolas suficientes com infraestrutura apropriada, projetos pedagógicos abrangentes e que desenvolvam o conhecimento crítico, professores com condições de trabalho descentes – o que envolve salários melhores, planos de carreira e formação continuada – e oferta de todas as etapas e modalidades de ensino sem priorização de uma em detrimento de outras, quanto políticas públicas direcionadas à população historicamente marginalizada do acesso ao ensino público de qualidade.

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