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Sociedade civil alerta Comitê dos Direitos da Criança da ONU sobre riscos do ajuste fiscal e da redução da maioridade penal para a garantia dos direitos das crianças no Brasil

O documento será entregue nos dias 21 e 22 de setembro, em Genebra, durante a revisão do Brasil no Comitê da ONU. O ministro Pepe Vargas representará o governo brasileiro

Nos próximos dias 21 e 22 de setembro, organizações da sociedade civil apresentam ao Comitê dos Direitos da Criança da ONU um relatório com fatos ocorridos em 2015 que podem violar gravemente os direitos das crianças no Brasil. O documento será entregue pela Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente (Anced), Ação Educativa, Campanha Nacional pelo Direito à Educação e Conectas em Genebra, na Suíça, durante a revisão do Brasil no Comitê da ONU. Na ocasião, o Governo Brasileiro será representado pelo Ministro Chefe da Secretaria de Direitos Humanos, Pepe Vargas.

Redução da maioridade penal, riscos de inviabilização da implementação do Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi) – determinado por lei no Plano Nacional de Educação (Lei 13.005/2014), impactos negativos da privatização da educação; militarização das escolas públicas e os retrocessos na promoção da igualdade de gênero nos planos municipais de estaduais de educação são alguns dos temas destacados no documento.

A produção deste documento é fruto da continuidade do trabalho de incidência política da sociedade civil brasileira junto ao Comitê da ONU. Em fevereiro deste ano, o II Relatório Alternativo sobre os Direitos da Criança e do Adolescente organizado pela Anced, com contribuição de várias organizações da sociedade civil brasileira, foi apresentado ao Comitê pela sociedade civil em Genebra.

Como anexo a este relatório, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação (Campanha Brasileira) e a ONG Ação Educativa produziram o documento Privatização da educação e violação de direitos no Brasil: apontamentos para o Comitê dos Direitos da Criança, que teve como objetivo apresentar um breve panorama sobre os principais processos de privatização em curso na educação no Brasil e seus impactos negativos para a realização do direito humano à educação de crianças e adolescentes.

 

 

CONTATOS PARA IMPRENSA:

– Ação Educativa: Juliane Cintra, assessora de comunicação

11 – 31512333 Ramal 160 / 11 989 589 000 juliane.cintra@acaoeducativa.org

– Anced: Flávia Quirino, assessora de comunicação

61 – 32727980 / 61-83364399 anced.dci@gmail.com

– Campanha Nacional pelo Direito à Educação: Andressa Pellanda, assessora de comunicação

11-31591243 / 982853484 andressa@campanhaeducacao.org.br

– Conectas Direitos Humanos: João Paulo Brito, assessor de comunicação

11 38847440 / 11 991918433 joao.brito@conectas.org

 

 

Veja a seguir os principais trechos traduzidos do documento entregue ao Comitê dos Direitos da Criança da ONU em Genebra.

 

Redução da Maioridade Penal

 

Em agosto de 2015, a Câmara dos Deputados concluiu em segundo turno a aprovação da Emenda Constitucional 171/1993 que reduz a idade penal de 18 para 16 anos para determinados crimes (crimes hediondos – como estupro e latrocínio – e também para homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte). A aprovação em primeiro turno havia ocorrido em junho e antes a proposta tinha recebido parecer favorável de Comissão Especial e da Comissão de Constituição e Justiça.

A aprovação foi possível pois a Câmara dos Deputados é composta majoritariamente na atualidade por segmentos conservadores e punitivos, com destaque para o presidente da casa (Eduardo Cunha), que se baseiam em pesquisas de opinião em que supostamente cerca de 90% da população seria a favor da medida. A proposta ainda precisa ser aprovada em dois turnos no Senado Federal para entrar em vigor. O Governo Federal posicionou-se contra a redução, mas apresentou como alternativa o aumento do tempo de internação, posição que parece ter sido assumida, por ora, pela maioria dos integrantes do Senado Federal, tanto que o PL já foi aprovado no Senado e encaminhado para a Câmara, prevendo que o tempo máximo de internação passe de 3 para 10 anos.

A ANCED, a Conectas e outras várias organizações da sociedade civil brasileira têm promovido atos públicos nos diversos estados da federação, construído notas técnicas e políticas, incidido junto aos parlamentares e governantes, conseguido apoio e posicionamento público de organismos nacionais e internacionais e organizações da sociedade civil do país e do exterior, e denunciado a tentativa de redução da idade penal em estruturas internacionais de direitos humanos.

 

Cortes sociais de 2015 e os riscos ao Plano Nacional de Educação (PNE) e à implementação do Custo Aluno-Qualidade Inicial

 

O Plano Nacional de Educação 2014 – 2024 tramitou durante quase 4 anos no Congresso Nacional e foi sancionado sem vetos pela presidenta Dilma Rousseff em junho de 2014. Entre outras medidas, o PNE determinou que o país precisa universalizar até 2016 o direito à educação para todas as crianças e adolescentes de 4 a 17 anos, garantindo – a partir de então – 14 anos de escolarização obrigatória como direito constitucional subjetivo. A medida é consoante com a Emenda à Constituição 59/2009 e com o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990). Porém, embora a Presidenta Dilma Rousseff tenha escolhido o lema “Brasil: Pátria Educadora” para seu segundo mandato (2015-2018), a área da educação sofreu seguidos cortes de recursos, sendo uma das áreas mais prejudicadas com a política de ajuste fiscal recentemente implantada. No primeiro corte, de R$ 9,2 bilhões, a expansão da educação infantil foi afetada, em especial a construção de equipamentos de pré-escola (para crianças de 4 e 5 anos). No segundo corte, de R$ 1 bilhão, novamente a área perdeu importantes recursos.

Esses cortes colocam em risco o cumprimento da lei do Plano Nacional de Educação (PNE) que até junho de 2016 determina a implementação do mecanismo do Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi), criado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação. O CAQi demanda R$ 37 bilhões de recursos adicionais ao financiamento anual da educação, para garantir professores bem remunerados e boas escolas públicas. Ao invés de adicionar novos recursos, seguindo a legislação vigente, o Governo Federal tem praticado seguidos cortes. Isso prejudica em demasia o direito à educação, colocando em risco o acesso à educação de cerca de 3,8 milhões de crianças de 4 a 17 anos que estão fora da escola, segundo cálculos da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e do Unicef, por meio da iniciativa Out of School Children.

 

Militarização da educação

 

Um fenômeno preocupante que vem se disseminando, sobretudo em 2015, é a militarização crescente de escolas públicas comuns em vários estados do Brasil. Trata-se da transferência da gestão de escolas, comumente de ensino secundário, para a administração das polícias militares. Os diretores civis são substituídos por oficiais e policiais armados passam a atuar dentro dessas escolas, com o objetivo de assegurar a ordem e a disciplina escolar. Os estudantes, comumente, são obrigados a cortar o cabelo e a se portarem como se fossem recrutas militares. As punições são desproporcionais. Esta tem sido a resposta de muitos governos ao fenômeno da violência urbana, que adentra as escolas e que afeta especialmente a juventude periférica e negra do País.

Segundo um último levantamento (Folha de São Paulo, Educação, 10/8/2015), somente os estados de Goiás, Minas Gerais e Bahia – que vem disseminando o modelo – transferiram 51 escolas comuns à gestão de militares, sendo a maioria neste ano.

Além de violações a direitos relativas à cobrança de uniformes que custam cerca de R$ 500,00 a R$ 700,00, a gestão militar, sob o pretexto de pacificação e de melhoria nos indicadores de qualidade em termos de aprendizagem, restringe a liberdade de professores e estudantes, viola o dever de formação para a cidadania e não é compatível com a gestão democrática das escolas públicas. No estado de Goiás, por exemplo, a militarização foi aprovada em Lei sem a consulta às comunidades escolares e implementada contra a posição majoritária de tais comunidades.

 

Privatização da educação

 

Temos assistido, nos últimos anos, ao avanço do setor privado, muitas vezes com subsídios públicos, sobre praticamente todas as etapas e modalidades da educação no Brasil, sem que isso signifique a realização plena do direito humano à educação. A oferta privada de educação por empresas transnacionais e a compra de sistemas privados de ensino, planejamento, gestão e avaliação pelas redes públicas; aliadas aos conveniamentos na educação infantil e especial, e à adoção de escolas “charter” nos estados de Goiás e Pará, tem drenado recursos públicos e diminuído a capacidade de gestão estatal, afastando a educação de uma concepção de bem público, passível de controle social e gestão democrática. Como resultado, há uma tendência de tem acirramento de desigualdades na realização do direito humano à educação.

Na educação básica obrigatória, de 4 a 17 anos, entre 2010 e 2013, cerca de 1,4 milhão de alunos da educação básica migraram da escola pública para a privada (Censo Escolar), que podem ser compreendidas como meios de discriminação estrutural, já que as altas mensalidades cobradas funcionam como um forte mecanismo de seletividade, que fortalece e reproduz desigualdades sociais, econômicas e étnico-raciais. Na educação infantil não obrigatória, de 0 a 3 anos (creches), entre 2007 e 2013, houve um aumento de 41,9% no número de matrículas no setor privado, em instituições em grande parte conveniadas ao poder público; muitas das quais de caráter religioso, representando ameaça à liberdade de opinião, crença e culto. Outras apresentam problemas que vão de infraestrutura à precarização das condições de trabalho de seus funcionários.

Neste sentido, os maiores prejudicados pela perda da capacidade de investimento e gestão estatal são a população de zero a 5 anos e de 15 a 17 anos, em especial as populações mais pobres, as crianças e adolescentes do campo, quilombolas e indígenas, os jovens e adultos com baixa escolaridade e as crianças e adolescentes com deficiência ou com necessidades educativas especiais. Apenas 21,2% das crianças de 0 a 3 anos estavam matriculadas em creches em 2013. Na faixa etária dos 4 a 6 anos, 21,8% ainda estavam fora da escola. Entre 15 e 17 anos, a taxa de matrícula é de 84,2%. No entanto, a taxa de frequência líquida era de apenas 54%, pois o restante da população nessa faixa etária continuava no ensino fundamental, em razão de reprovações, ou estavam fora da escola (Censo Escolar 2013).

Diante de todo o exposto, é urgente que o governo brasileiro adote parâmetros normativos para proibir ou limitar o lucro na educação e para ampliar a regulamentação e fiscalização de instituições privadas de educação básica e superior, além de rever sua política fiscal e tributária de incentivo às matrículas na educação privada e de reduzir gradualmente o repasse para o setor privado por meio de convênios. Isto, ao mesmo tempo em que garanta a ampliação dos investimentos em educação pública, de modo a garantir o atendimento direto com os parâmetros de qualidade assegurados pela legislação nacional.

 

Gênero e Raça na Educação

 

Tem crescido no Brasil, nos últimos anos, o proselitismo religioso e ameaças ao Estado laico, com grandes impactos para a realização do direito humano à educação de milhões de brasileiros e brasileiras. Em 2015, segmentos religiosos elegeram um número recorde de 78 representantes no parlamento, conquistando cada vez mais postos-chave no desenvolvimento de políticas públicas. O mesmo se deu nos legislativos estaduais e municipais, responsáveis por aprovar planos locais de educação em consonância com as diretrizes do Plano Nacional. Pressionados pelas bancadas religiosas e com respaldo das igrejas evangélicas e católica, deputados de ao menos oito Estados e vereadores de inúmeros municípios retiraram dos Planos Estaduais e Municipais de Educação metas e estratégias destinadas à superação das desigualdades de gênero, de orientação sexual e de raça e ao combate às discriminações no ambiente escolar que violam o direito humano à educação. Tais metas, que já haviam sido retiradas do Plano Nacional por pressão dos mesmos grupos, visavam dar concretude à Constituição Brasileira, à legislação educacional e às diversas normativas internacionais dos quais o Brasil é signatário.

É importante destacar que o país é ainda fortemente marcado pelas desigualdades de educacionais em função de gênero, raça e sexualidade. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2011 apontam que, em média, as mulheres possuem 0,4 anos de estudo a mais do que os homens. Enquanto entre a população geral temos 4,7% de pessoas com mais de 15 anos de estudo, esse percentual cai para 1,7% em relação à população negra e de apenas 0,12% na população indígena. No que diz respeito à população LGBT, pesquisa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) aponta que apenas 431 dos 5.570 municípios brasileiros têm algum tipo de política pública desenvolvida pelo órgão gestor de direitos humanos em prol de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. A pesquisa “Juventudes e Sexualidade no Brasil”, publicada pela Unesco em 2004, mostra ainda que 39,6% dos meninos não gostariam de ter um colega de classe homossexual.

Segundo o Informe Brasil – Gênero e Educação (2013), apresentado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), as desigualdades de gênero na educação brasileira são caracterizadas por seis grandes desafios:

1) as desigualdades educacionais persistentes entre as mulheres brasileiras, com destaque para a situação das mulheres negras, indígenas e do campo; 2) a situação de pior desempenho e de maiores obstáculos para permanência na escola por parte de meninos, adolescentes e jovens, em especial, de meninos e jovens negros; 3) a manutenção de uma educação sexista, homofóbica/lesbofóbica/transfóbica, racista e discriminatória; 4) a concentração das mulheres em cursos e carreiras “ditas” femininas, com menor valorização profissionais e limitado reconhecimento social; 5) a baixa valorização das profissionais da educação básica, mulheres que constituem quase 90% dos profissionais da categoria; 6) o acesso desigual à educação infantil de qualidade.

 

Sobre o CAQi e CAQ no PNE (www.custoalunoqualidade.org.br).

 

Graças à incidência da sociedade civil, em especial da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, o CAQi e o CAQ foram plenamente reconhecidos como instrumentos basilares para a consagração do direto à uma educação pública de qualidade no Brasil. Foram incluídos em quatro das doze estratégias da Meta 20 do novo PNE (Plano Nacional de Educação, Lei 13.005/2014), que trata do financiamento da educação. É possível dizer que os dois mecanismos são os meios pelos quais todas as metas relativas à educação básica serão cumpridas no PNE. O CAQi é um mecanismo criado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Ele traduz em valores o quanto o Brasil precisa investir por aluno ao ano, em cada etapa e modalidade da educação básica pública, para garantir, ao menos, um padrão mínimo de qualidade do ensino. Para realizar este cálculo, o CAQi considera condições como tamanho das turmas, formação, salários e carreira compatíveis com a responsabilidade dos profissionais da educação, instalações, equipamentos, infraestrutura e insumos adequados para cumprir o marco legal brasileiro. O CAQ, que está sendo discutido e calculado pela rede da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, representará o esforço do Brasil em se aproximar dos países mais desenvolvidos do mundo em termos educacionais.

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