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Pesquisa revela problemas em iniciativa do governo de SP para reforma do Ensino Médio

Estudo da Ação Educativa sobre o Programa Inova Educação aponta falta de formação específica dos docentes participantes – apenas 25,75% fizeram o curso inicial e só 28,97% foram aprovados no curso avançado para lecionar as novas disciplinas.

Apoio: Rede Escola Pública e Universidade (Repu)

Pesquisa revela problemas em iniciativa do governo estadual para reforma do Ensino Médio – maioria dos professores não recebeu formação adequada

 Implementado sem diálogo com a juventude e a sociedade, no contexto de ensino remoto, o Programa aborda a grade curricular sob perspectiva mercadológica que afasta os jovens do ensino superior;

 Dados indicam que aspectos fundamentais de política educacional, como formação docente e estrutura física dos equipamentos escolares, foram ignorados no processo

São Paulo, outubro de 2021 – A maioria dos professores que assumiram disciplinas do Programa Inova Educação, do governo estadual de São Paulo, não recebeu formação específica para ministrar as aulas. O dado é um dos destaques de pesquisa inédita da Ação Educativa em parceria com o Grupo Escola Pública e Democracia (Gepud), da Unifesp. Nesta terça-feira (26/10), a partir das 19h, os pesquisadores e convidados vão apresentar e debater os resultados em evento que será transmitido ao vivo no canal de  YouTube da Ação Educativa. A pesquisa está disponível aqui.

De acordo com dados obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) e disponíveis na pesquisa “Inova Educação – leitura crítica sobre a proposta de reforma educacional dirigida à juventude paulista”, dos docentes que assumiram aulas dos componentes Projeto de Vida, Eletivas e Tecnologia até final de 2020, apenas 25,75% tinham feito o curso inicial e somente 28,97% foram aprovados no curso aprofundado. Os cursos de capacitação docente, com duração de 60 horas e em formato remoto, deram ênfase à componentes presentes na Base Nacional Curricular Comum.

O estudo da Ação Educativa foi realizado com base em informações da Secretaria Estadual de Educação (Seduc), análise de vídeos, depoimentos e toda a documentação do curso de formação realizado pela Escola de Formação e Aperfeiçoamento dos Profissionais da Educação do Estado de São Paulo (Efape). Para conhecer a parceria que deu origem ao Programa Inova Educação, foi necessário acessar documentos via LAI, demonstrando os obstáculos à pesquisa de política educacional em São Paulo.

De acordo com a pesquisa da Ação Educativa, o programa Inova Educação, que pretende atualizar o ensino médio, não responde aos desafios identificados para essa modalidade, como: financiamento, carreira docente, formação, estrutura física, por exemplo. Segundo os pesquisadores que analisaram o Inova, a iniciativa dá ênfase em competências socioemocionais cuja utilização no âmbito educacional ainda é pouco consensual e criticada por órgãos de representação da Psicologia.

Lançado em 2019 como fruto de parceria entre o governo paulista e o Instituto Ayrton Senna, o Inova Educação promoveu uma reforma curricular nos últimos anos do Ensino Fundamental e em todo o Ensino Médio com a inclusão de três novas disciplinas: Projeto de Vida, Eletivas, e Tecnologia e Inovação.

 

Programa não toca em temas centrais de política educacional

O estudo constatou que o Inova Educação aposta fundamentalmente em uma mudança curricular sem tocar em aspectos centrais da política educacional, como a carreira dos professores, formação, financiamento e estrutura física das escolas. Assim, oferece resposta limitada, com abordagem que coloca a escola a serviço do mercado e distancia o aluno do ensino superior.

“O Inova Educação não toca em pontos fundamentais, como as experiências profissionais dos jovens, os caminhos para a formação no ensino superior, suporte para acesso ao primeiro emprego, direitos trabalhistas, desigualdades sociais, situações de assédio moral e sexual”, afirma Gabriel Di Pierro, coordenador da área de Juventude da Ação Educativa. “Em suma, questões práticas para a vida desses adolescentes deixam de ser consideradas, além de temas fundamentais como raça e gênero”, observa.

Os pesquisadores também observaram a integração entre o Inova e outras políticas educacionais no país. A disciplina Projeto de Vida se apresenta como eixo da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e da Reforma do Ensino Médio – aprovada em 2017. Esse novo conteúdo é focado no desenvolvimento de competências cognitivas e socioemocionais, enfatizando a autodeterminação dos indivíduos na busca por seus objetivos e ferramentas de autogerenciamento, sem considerar a realidade dos estudantes.

 

Juventude e a relação com o mundo do trabalho

Para os pesquisadores, as identidades e as vulnerabilidades dos jovens estudantes são abordadas de forma superficial pelo Inova Educação, em uma aparente homogeneização dessa parcela da população que desconsidera subjetividades e particularidades construídas historicamente em uma sociedade profundamente desigual.

A ênfase do Inova na concepção de “protagonismo juvenil” se baseia em uma ideia de compatibilidade entre os desejos e interesses de estudantes com os de gestores educacionais, minimizando conflitos dessa relação. Assim, a escola se torna um espaço de formação antecipada para as novas relações de trabalho precário, com foco no autogerenciamento e adesão à competição em que a noção de escolha individual é o que orienta todo o currículo.

Outro ponto destacado pelo estudo é o vínculo do programa com perspectivas de organismos internacionais e agentes privados com atuação em políticas educacionais.  Foi constada a convergência entre concepções de trabalho, juventude e educação do Programa e documentos do Banco Mundial e da OCDE, assim como a participação de fundações e institutos ligados a empresas e bancos.

“Tem a ver com a ideia de uma formação mais genérica e, sobretudo, com comportamento e autogerenciamento. A proposta é de que os jovens sejam capazes do ponto de vista comportamental, de se moldarem para o mundo do trabalho. É uma abordagem economicista que individualiza a responsabilidade pela adequação ao mercado e afasta os estudantes do ensino superior”, explica observa a Prof.ª Dr. ª Débora Cristina Goulart, uma das responsáveis pela pesquisa e integrante da Rede Escola Pública e Universidade (REPU).

 

Evento de divulgação dos dados

Nesta terça-feira, 26/10, os dados serão debatidos por Débora Cristina Goulart, uma das autoras da pesquisa. Ela é doutora em Ciências Sociais e professora do departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Paulo – Unifesp e atua na Rede Escola Pública e Universidade (REPU).

Vanessa Cândida Lourenço, mestranda em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Paulo e professora da rede pública estadual, Maria Carla Corrochano, professora e doutora do Departamento de Ciências Humanas e Educação, do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGed-SO) e do Mestrado em Estudos da Condição Humana da UFSCar também participam.

Silvio Carneiro, professor doutor dos cursos de graduação de Licenciatura e Bacharelado em Filosofia, bem como na pós-graduação, nos mestrados acadêmico e profissional. Membro da Rede Escola Pública e Universidade (REPU) fecha a lista de convidados do evento.

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