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A persistência de Giselda Pereira, coordenadora do Mude com Elas, nos caminhos da educação

De Giselda Perê 

São Paulo, 10/05/2021 

Oi Sergio, fiquei feliz em ler sua carta, sua trajetória é parte da nossa história de luta e conquistas na educação. 

Deixa então de contar de onde venho. Eu sou moradora de Parada de Taipas, bairro da periferia de São Paulo, na região noroeste. Nasci na Freguesia do Ó e fui pra Taipas com minha família quando tinha dois anos de idade. Acabei de completar 40 anos, no último dia 24 de abril. 

Morei na mesma casa, em eterna construção, dos 2 aos 23 anos, quando saí para buscar meus sonhos. 

Hoje, olhando pro meu caminho, entendo que me tornei educadora só depois de alguns anos, quando já estava formada no magistério, eu venho da educação formal. Fui professora por anos em escolas particulares, mas só quando comecei a trabalhar em projetos de ONG’s, e entrei concursada em uma escola pública, que fui entendendo que o que sonhava e desejava na minha atuação não tinha a ver exclusivamente com a educação formal. E isso me ajudou a ampliar meus horizontes, meus sonhos, meus ideais. 

Eu decidi ser professora aos 14 anos, não tive apoio familiar, pois eles acreditavam que perderia muito estudando para uma profissão tão desvalorizada. Errados meus pais não estavam, mas eu desejei ser professora, pois acreditava na potência transformadora dessa profissão. 

Sempre busquei práticas pedagógicas que trouxessem sentido para os meus alunos. Já trabalhei com a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, pois me formei na graduação de Educação Artística em 2005, e desde então ampliei ainda mais minha atuação, meus ideais, e minha crença na mudança por meio da educação. 

Mas, nessa busca de práticas que fizessem sentido para os alunos, entendi que precisava incluir a comunidade, as histórias familiares, as histórias de origem das famílias. Contudo, nunca tive apoio sobre isso nas escolas, encontrei mais liberdade nos projetos. Aos 23 anos, quando saí de casa, estava buscando uma vida diferente da que levava na periferia, e a encontrei. Morando mais perto do centro, conseguia circular mais, e assim entrei no Bloco Ilú Obá De Min, e foi participando do Ilú que conheci e sonhei um dia trabalhar na Ação Educativa. 

Tudo que eu vivia aos fins de semana com a arte e cultura preta me fazia desejar para os meus alunos a mesma experiência, e foi aí que reconheci o racismo institucional, não só pessoalmente, por ser uma das únicas professoras negras, mas também por querer pautar as artes pretas e indígenas brasileiras. O embate me adoeceu e eu me afastei em definitivo da escola. 

Desde 2010 não leciono diretamente em escolas, mas desde então decidi trabalhar com as professoras, e comecei um novo caminho que me levou ao mestrado, que concluí ano passado, no qual defendi o projeto “Os mitos e contos africanos e afro-brasileiros na formação de professores: uma prática de combate ao racismo e à intolerância religiosa”. 

Haveria muito ainda pra te contar, mas tenho mais vontade de trazer as angústias que esse caminho como educadora me proporcionou durante 20 anos de atuação. 

Trabalhando em escolas, museus, centros para crianças e adolescentes, organizações sociais diversas e projetos independentes, encontrei as mesmas dificuldades. Aquelas que meus pais me alertaram quando escolhi o magistério, encontrei a desvalorização.

Com faculdade, sem faculdade, com mestrado, sem mestrado, vivi experiências onde não havia escuta por parte das gestões para os educadores. Sobrecargas, acúmulo de funções, muitas expectativas, novas desvalorizações, demonizações, sem quase nenhum apoio material, e muito menos emocional. 

Quando realizei o desejo de quase 20 anos atrás de trabalhar na Ação Educativa, cheguei bem machucada, cansada da forma de como me colocava na relação com as instituições. Aqui tenho exercitado um novo jeito de atuar. Quando me candidatei à vaga, tudo ao meu redor me dizia que era época de mudar, de atuar em outras frentes da Educação. Mas aceitei mesmo assim, por necessidade, não escondo em dizer, mas também porque sempre me vejo na atuação como educadora, nesses momentos em que sinto um chamado. Desde que saí das salas de aula das escolas formais, tive essa oportunidade de estar em trabalhos por necessidade, mas também por sentir algo que eu precisava aprender naqueles lugares. E assim tem sido no Mude com Elas: aprendo todo dia, aí não há como não sentir o mesmo sonho dos 14 anos, o sonho de atuar na educação que pode mudar vidas, trazer oportunidades, ampliar horizontes, renascer, reaquecer. Talvez essa seja minha última experiência na linha de frente da educação. Se for, fecharei esse capítulo com uma experiência singular, onde tenho sido ouvida, considerada e valorizada. Despeço-me e agradeço a oportunidade de escrever uma carta novamente. 

Abraços 

Giselda Perê
Educadora do projeto Mude com Elas

Esta carta foi escrita em resposta à provocação de Sérgio Haddad, nosso coordenador de projetos especiais, como parte da série de cartas que celebram a educação popular e o 27º aniversário da Ação Educativa:
A trajetória educadora de Sérgio Haddad, em sua Carta no aniversário da Ação Educativa!

Confira também a primeira destas cartas, escrita por Denise Eloy: Uma carta para celebrar a educação popular e os 27 anos da Ação Educativa

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