agosto de 2008 - Nº 25

O papel das universidades, sindicatos e ONGs na implementação das políticas educacionais *


Vera Masagão Ribeiro – coordenadora de programas da Ação Educativa

A gestão política de propostas de reforma educativa é, sem dúvida, um dos principais desafios para quem implementa políticas no campo da educação básica. Isso ocorre porque, mais do que em outras áreas, o alcance dos resultados esperados quanto à formação dos educandos depende de ações articuladas de diversos agentes, por períodos de tempo relativamente longos. Esses resultados serão tanto
melhores quanto maior a coerência e a constância do trabalho de dezenas de professores com que cada aluno tem contato direto em seu percurso escolar, aliado ao aproveitamento dos recursos pedagógicos disponíveis.

Por esse motivo, é tão importante que um gestor invista na construção de alianças amplas entre agentes da própria rede e de seu entorno, de modo a construir a sustentabilidade da política. Que papel podem exercer as universidades, os sindicatos e as organizações não-governamentais para dar sustentabilidade às iniciativas que visam à melhoria da qualidade da educação?

Maria Alice Setúbal abordou o tema primeiramente com base na experiência de sua organização, que tem longa tradição de assessoria pedagógica a secretarias de educação; e, num segundo momento, sob a ótica mais geral dos canais possíveis e necessários de participação da sociedade civil nas políticas públicas.

Para a expositora, materiais didáticos são um apoio importante para a ação dos professores e não excluem a possibilidade do trabalho autônomo. A negociação da proposta com os gestores da rede, a testagem prévia dos materiais e sua reformulação, baseada no diálogo constante com os professores, são procedimentos adotados pelo Cenpec para garantir uma boa articulação entre teoria e prática.

Segundo Maria Alice, as ONGs, por não terem compromisso imediato com o trabalho em escala, podem realizar experimentos com maior grau de aprofundamento e sistematização.

Num segundo momento, será importante que os produtos dessas experiências possam ser disseminados para um número maior de alunos, em programas dirigidos a toda a rede. Isso exige, obviamente, uma articulação com as propostas políticas dos gestores.

No caso do “Jornal do Aluno”, material produzido para o São Paulo Faz Escola, não foi possível fazer testagens nem estabelecer um diálogo direto com os professores; mas o que se construiu foi baseado no diálogo com técnicos da SEE e na experiência dos professores autores do material. Faltou oportunidade de realizar a formação dos professores, para que o material fosse melhor compreendido.

Ainda de acordo com Maria Alice, a Constituição de 1988 estabeleceu parâmetros que institucionalizam a participação da sociedade civil nas políticas públicas. As ONGs, assim como os sindicatos e outras entidades, precisam debater e, sem ignorar as diferenças, definir alguns consensos, transformá-los em metas a serem alcançadas e monitorar os resultados obtidos pela gestão pública.

Roberto Guido, da Apeoesp, afirmou que a entidade sempre se preocupou com as questões educacionais ao lado das questões sindicais, como salário e condições de trabalho. Não há contradição entre essas duas dimensões, pois não é possível realizar uma educação de qualidade sem que existam as condições básicas para isso. A escola pública não pode ser reduzida a “ler e contar”, pois os filhos da classe trabalhadora têm direito a uma formação ampla. O professor, por sua vez, não pode ser mero executor, ele precisa ter formação para pensar e tomar decisões sobre sua prática. Por isto, o sindicato discorda da orientação pedagógica que está sendo imposta à rede paulista.

O sindicato é também contra a política de premiação: considera que ela provoca uma indesejável competição entre escolas. Para Guido, as escolas que têm melhores resultados não os têm por conta do prêmio, mas por certas condições pré-existentes, principalmente aquelas relativas à condição socioeconômica dos alunos.

Conforme Guido, a Apeoesp também defende o princípio da gestão democrática, estabelecido na LDB, que está sendo desconsiderado por essa administração. Os conselhos de escola estão perdendo o poder de deliberar sobre temas que são da sua alçada, como o projeto político-pedagógico ou mesmo o calendário. A Secretaria, segundo o sindicalista, está absolutamente impermeável ao diálogo, não só com o sindicato, sobre a questão salarial, mas com outros setores e sobre a orientação pedagógica.

Romualdo Portela teceu considerações sobre o papel da universidade, considerando suas três funções: ensino, pesquisa e extensão. Com relação ao ensino, considera que a USP vem realizando um bom trabalho de formação de professores, aliando a formação prática com uma sólida base teórica. Os egressos da USP que ingressam na rede estadual quase sempre têm carreiras bem-sucedidas. O problema é que a USP, assim como as outras universidades públicas, forma muito poucos alunos, e só uma parte deles ingressa nas redes públicas. Fechar as universidades públicas, como propôs a secretária de Educação de São Paulo em entrevista à imprensa, hoje não teria muito impacto na rede estadual; já fechar as faculdades de final de semana, e exigir mais qualidade das instituições privadas que formam
a maioria dos professores, isto, sim, teria impacto.

No que diz respeito à extensão, o professor considera que as universidades públicas paulistanas têm uma tradição de colaboração com as redes públicas em programas de formação continuada, desde que, obviamente, haja demanda das secretarias de educação. Se não há demanda, não há como colaborar.

Quanto à pesquisa, Romualdo entende que a universidade produz muito conhecimento relevante, mas que não se tem no Brasil uma cultura de basear as políticas em resultados de pesquisas. As políticas são, em geral, desenhadas com base nas ideologias, em juízos apriorísticos. Infelizmente, a política tem muito de pirotecnia: é preciso fazer de conta que se está fazendo algo, mesmo que isso não mude nada.

Romualdo reconhece que encontrar a melhor estratégia para promover mudanças não é tarefa simples. Uma delas é a estratégia da bonificação, que gera muitos problemas. No entanto, o fato é que a gestão democrática também não resolve tudo, também envolve problemas. Por exemplo, como lidar com os recalcitrantes? As escolas devem exercer sua autonomia dentro dos marcos políticos colocados pela administração, que tem a obrigação de cobrar. Nesse sentido, as avaliações poderiam ser úteis, desde que levem em conta o nível socioeconômico dos alunos.

Isis Brum, repórter do Diário de S. Paulo, questionou os participantes sobre a questão curricular, sobre o que se espera que os alunos saibam depois de 12 anos de escolarização. Para algumas pessoas, há suficiente consenso sobre as aprendizagens essenciais a serem garantidas; outras destacam as divergências, que não estão somente nos métodos empregados, mas nos conteúdos que devem ser priorizados: “ler, escrever e contar” versus conhecimentos amplos, profissionalização, inserção no mercado de trabalho ou nota alta no ENEM, competitividade ou solidariedade, seriam alguns dos termos em disputa.

A platéia, formada por professores e alunos, além de ativistas de ONGs, manifestou-se principalmente sobre os pontos vulneráveis da proposta implantada na rede estadual: a falta de iniciativas concretas para melhorar condições de ensino muito adversas, por exemplo, as jornadas extenuantes dos professores, que chegam a trabalhar 50 horas, sem tempo para a formação continuada e com prejuízo à saúde, o que acaba resultando em número excessivo de faltas. O mesmo acontece em relação à ausência de bibliotecas e laboratórios. Apontou-se também a falta de continuidade das políticas, uma vez que cada gestor faz tábula rasa do passado. São necessárias políticas de longo prazo e, por este motivo, é importante ter um Plano Estadual de Educação, aprovado democraticamente.

É sobre o compromisso de longo prazo que os administradores precisam ser cobrados. A sociedade civil deve, neste sentido, fazer cobranças sobre aspectos mais estruturais da política, por exemplo, o financiamento. Há marcos legais e estudos sobre o Custo Aluno-Qualidade que podem servir de parâmetro. Bibliotecas, laboratórios e regime de dedicação exclusiva para os professores, por exemplo, poderiam ser políticas progressivamente implantadas por meio de planos de longo prazo, monitorados pela sociedade.

* Este texto reflete as exposições e debates empreendidos durante o “Seminário Mudanças na Educação Paulista: gestão, currículo e profissão docente”, na mesa “O papel da sociedade civil, universidades e sindicatos na formulação e implementação das políticas educacionais”, que teve a participação de: Romualdo Portela, professor da FE-USP; Maria Alice Setúbal, diretora-presidente do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec); Roberto Guido, secretário adjunto de Comunicação do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial de São Paulo (Apeoesp); e Ísis Brum, repórter do Diário de S. Paulo.

 

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