Vera Masagão Ribeiro – coordenadora de programas da Ação Educativa
A gestão política de propostas de reforma educativa é,
sem dúvida, um dos principais desafios para quem implementa
políticas no campo da educação básica. Isso ocorre
porque, mais do que em outras áreas, o alcance dos resultados
esperados quanto à formação dos educandos depende
de ações articuladas de diversos agentes, por períodos
de tempo relativamente longos. Esses resultados serão tanto
melhores quanto maior a coerência e a constância do
trabalho de dezenas de professores com que cada aluno
tem contato direto em seu percurso escolar, aliado ao aproveitamento
dos recursos pedagógicos disponíveis.
Por esse motivo, é tão importante que um gestor invista
na construção de alianças amplas entre agentes da própria
rede e de seu entorno, de modo a construir a sustentabilidade
da política. Que papel podem exercer as universidades,
os sindicatos e as organizações não-governamentais
para dar sustentabilidade às iniciativas que visam à melhoria
da qualidade da educação?
Maria Alice Setúbal abordou o tema primeiramente com
base na experiência de sua organização, que tem longa
tradição de assessoria pedagógica a secretarias de educação;
e, num segundo momento, sob a ótica mais geral dos
canais possíveis e necessários de participação da sociedade
civil nas políticas públicas.
Para a expositora, materiais didáticos são um apoio importante
para a ação dos professores e não excluem a possibilidade
do trabalho autônomo. A negociação da proposta
com os gestores da rede, a testagem prévia dos materiais e
sua reformulação, baseada no diálogo constante com os
professores, são procedimentos adotados pelo Cenpec para
garantir uma boa articulação entre teoria e prática.
Segundo Maria Alice, as ONGs, por não terem compromisso
imediato com o trabalho em escala, podem realizar
experimentos com maior grau de aprofundamento e sistematização.
Num segundo momento, será importante que os produtos
dessas experiências possam ser disseminados para um
número maior de alunos, em programas dirigidos a toda a
rede. Isso exige, obviamente, uma articulação com as propostas
políticas dos gestores.
No caso do “Jornal do Aluno”, material produzido para
o São Paulo Faz Escola, não foi possível fazer testagens
nem estabelecer um diálogo direto com os professores;
mas o que se construiu foi baseado no diálogo com técnicos
da SEE e na experiência dos professores autores do
material. Faltou oportunidade de realizar a formação dos professores,
para que o material fosse melhor compreendido.
Ainda de acordo com Maria Alice, a Constituição de
1988 estabeleceu parâmetros que institucionalizam a participação
da sociedade civil nas políticas públicas. As ONGs,
assim como os sindicatos e outras entidades, precisam debater
e, sem ignorar as diferenças, definir alguns consensos,
transformá-los em metas a serem alcançadas e monitorar
os resultados obtidos pela gestão pública.
Roberto Guido, da Apeoesp, afirmou que a entidade
sempre se preocupou com as questões educacionais ao
lado das questões sindicais, como salário e condições de
trabalho. Não há contradição entre essas duas dimensões,
pois não é possível realizar uma educação de qualidade
sem que existam as condições básicas para isso. A escola
pública não pode ser reduzida a “ler e contar”, pois os filhos
da classe trabalhadora têm direito a uma formação
ampla. O professor, por sua vez, não pode ser mero executor,
ele precisa ter formação para pensar e tomar decisões
sobre sua prática. Por isto, o sindicato discorda da orientação
pedagógica que está sendo imposta à rede paulista.
O sindicato é também contra a política de premiação: considera
que ela provoca uma indesejável competição entre
escolas. Para Guido, as escolas que têm melhores resultados
não os têm por conta do prêmio, mas por certas condições
pré-existentes, principalmente aquelas relativas à condição
socioeconômica dos alunos.
Conforme Guido, a Apeoesp também defende o princípio
da gestão democrática, estabelecido na LDB, que está
sendo desconsiderado por essa administração. Os conselhos
de escola estão perdendo o poder de deliberar sobre
temas que são da sua alçada, como o projeto político-pedagógico
ou mesmo o calendário. A Secretaria, segundo o
sindicalista, está absolutamente impermeável ao diálogo,
não só com o sindicato, sobre a questão salarial, mas com
outros setores e sobre a orientação pedagógica.
Romualdo Portela teceu considerações sobre o papel da
universidade, considerando suas três funções: ensino, pesquisa
e extensão. Com relação ao ensino, considera que a
USP vem realizando um bom trabalho de formação de professores,
aliando a formação prática com uma sólida base
teórica. Os egressos da USP que ingressam na rede estadual
quase sempre têm carreiras bem-sucedidas. O problema é que a USP, assim como as outras universidades públicas,
forma muito poucos alunos, e só uma parte deles
ingressa nas redes públicas. Fechar as universidades públicas,
como propôs a secretária de Educação de São Paulo
em entrevista à imprensa, hoje não teria muito impacto na
rede estadual; já fechar as faculdades de final de semana,
e exigir mais qualidade das instituições privadas que formam
a maioria dos professores, isto, sim, teria impacto.
No que diz respeito à extensão, o professor considera
que as universidades públicas paulistanas têm uma tradição
de colaboração com as redes públicas em programas
de formação continuada, desde que, obviamente, haja demanda
das secretarias de educação. Se não há demanda,
não há como colaborar.
Quanto à pesquisa, Romualdo entende que a universidade
produz muito conhecimento relevante, mas que não
se tem no Brasil uma cultura de basear as políticas em resultados
de pesquisas. As políticas são, em geral, desenhadas
com base nas ideologias, em juízos apriorísticos. Infelizmente,
a política tem muito de pirotecnia: é preciso fazer
de conta que se está fazendo algo, mesmo que isso não
mude nada.
Romualdo reconhece que encontrar a melhor estratégia
para promover mudanças não é tarefa simples. Uma
delas é a estratégia da bonificação, que gera muitos problemas.
No entanto, o fato é que a gestão democrática
também não resolve tudo, também envolve problemas.
Por exemplo, como lidar com os recalcitrantes? As escolas
devem exercer sua autonomia dentro dos marcos políticos
colocados pela administração, que tem a obrigação de cobrar. Nesse sentido, as avaliações poderiam ser úteis, desde
que levem em conta o nível socioeconômico dos alunos.
Isis Brum, repórter do Diário de S. Paulo, questionou
os participantes sobre a questão curricular, sobre o que se
espera que os alunos saibam depois de 12 anos de escolarização.
Para algumas pessoas, há suficiente consenso sobre
as aprendizagens essenciais a serem garantidas; outras
destacam as divergências, que não estão somente nos métodos
empregados, mas nos conteúdos que devem ser priorizados: “ler, escrever e contar” versus conhecimentos amplos,
profissionalização, inserção no mercado de trabalho
ou nota alta no ENEM, competitividade ou solidariedade,
seriam alguns dos termos em disputa.
A platéia, formada por professores e alunos, além de
ativistas de ONGs, manifestou-se principalmente sobre os
pontos vulneráveis da proposta implantada na rede estadual:
a falta de iniciativas concretas para melhorar condições
de ensino muito adversas, por exemplo, as jornadas extenuantes
dos professores, que chegam a trabalhar 50 horas,
sem tempo para a formação continuada e com prejuízo à saúde, o que acaba resultando em número excessivo
de faltas. O mesmo acontece em relação à ausência de bibliotecas
e laboratórios. Apontou-se também a falta de
continuidade das políticas, uma vez que cada gestor faz tábula
rasa do passado. São necessárias políticas de longo
prazo e, por este motivo, é importante ter um Plano Estadual
de Educação, aprovado democraticamente.
É sobre o compromisso de longo prazo que os administradores
precisam ser cobrados. A sociedade civil deve,
neste sentido, fazer cobranças sobre aspectos mais estruturais
da política, por exemplo, o financiamento. Há marcos
legais e estudos sobre o Custo Aluno-Qualidade que podem
servir de parâmetro. Bibliotecas, laboratórios e regime de
dedicação exclusiva para os professores, por exemplo, poderiam
ser políticas progressivamente implantadas por meio
de planos de longo prazo, monitorados pela sociedade.
* Este texto reflete as exposições e debates empreendidos durante o “Seminário Mudanças na Educação Paulista: gestão, currículo e profissão docente”, na mesa “O papel da sociedade civil,
universidades e sindicatos na formulação e implementação das políticas educacionais”, que teve a participação de: Romualdo Portela, professor da FE-USP; Maria Alice Setúbal, diretora-presidente
do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec); Roberto Guido, secretário adjunto de Comunicação do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial
de São Paulo (Apeoesp); e Ísis Brum, repórter do Diário de S. Paulo.
|