agosto de 2008 - Nº 25

"O material serve apenas como apostila para realizar avaliação"


Circe Bittencourt, professora do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação da USP.

“O material serve apenas como apostila para realizar avaliação”

Circe também é organizadora do banco de dados LIVRES, referente aos livros didáticos brasileiros publicados entre 1810 e 2005. Nesta entrevista, comenta os novos materiais introduzidos pela Secretaria de Estado de Educação de São Paulo.

Quais suas impressões a respeito do jornal que foi produzido para os primeiros 45 dias letivos, seguido de uma avaliação?
Ele foi muito mal elaborado. Não posso dizer sobre o conjunto, vi bastante o de História e o de Educação Física. O de História é muito ruim. É ruim pelo conteúdo, completamente fragmentado, desarticulado e descontextualizado. As imagens são colocadas sem nexo no meio das páginas, com informações erradas. Os alunos não têm de refletir sobre elas. Não há articulação com o texto escrito e, em alguns casos, provocaram incidentes de preconceito com alunos. Quando a SEE foi questionada a respeito da presença daquelas imagens, a resposta foi lamentável. Falaram que aquelas imagens do Debret estavam ali colocadas como conteúdo da lei que exigia o ensino de história da África, da cultura africana, o que evidentemente não tem nada a ver. História da escravidão é uma coisa, história da África é outra coisa. História da escravidão no Brasil é dada há muitos anos, não é um conteúdo recente. Portanto, aquele conteúdo não respondia absolutamente à nova exigência da legislação oficial, pelo contrário, elas estimularam o preconceito em situações concretas relatadas por professores em sala de aula.
Independente do caso do material de História, acho que é o caso de refletirmos sobre o significado que vem a ser uma apostila, ou jornal, como eles falam. É um material produzido com o objetivo muito claro de criar uma avaliação. Apostila é um material didático que desde 1828 foi criado com essa finalidade e isso não pode substituir sistemas de ensino, nem materiais de ensino que estão ligados ao desenvolvimento de outras capacidades do aluno que não só forçá-los a responder a uma avaliação.
Eu sou contra um sistema de ensino cujo objetivo é avaliar aluno. Na atual Secretaria só estão avaliando um conteúdo: se o aluno domina escrita e cálculos. Eles estão dizendo o seguinte: o professor da rede pública paulista é incapacitado, portanto nós vamos dar um material que diz para ele, dia a dia no cotidiano escolar, o que ele deve ensinar. Ele é um ineficiente. Para ensinar o aluno a ler ele tem de seguir esses passos aqui. Para ensinar o aluno a calcular ele tem de seguir esses passos aqui, e acabou. Qualquer outro conteúdo é desnecessário.
Eu me pergunto: Porque eles consideram os conteúdos escolares desnecessários? Porque o único conteúdo que eles querem avaliar é se o aluno pode ler um texto e responder umas perguntas? É esse o objetivo da escola pública paulista?

A SEE justifica parte das mudanças empreendidas como uma forma de unificar o conhecimento transmitido aos estudantes de todo o Estado. Qual a sua avaliação sobre este procedimento?
O currículo unificado que eles tanto querem é isso: Português e Matemática. Não pensam numa unificação de aprendizado, de formação intelectual dos alunos, de formação de um pensamento elaborado. Pensam numa unificação no domínio mínimo de conteúdos.
Os alunos têm que dominar também o conteúdo do Saresp, e a SEE está fundamentando todo o currículo na avaliação. Eliminaram o currículo real. Só existe o currículo normativo, que é o enviado pelo governo e o currículo avaliado. A SEE domina o real por intermédio desse material didático e da obediência do professor a partir de uma legislação que o obriga a cumprir tais metas, caso contrário ele não é avaliado de uma forma positiva, e não ganha bônus. Como não há aumento salarial, a única forma de o professor ganhar mais é obedecendo ao governo. Então o professor vai obedecer a tudo o que o governo mandar.

Os livros ofertados no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) são adequados para contribuir com a construção de um ensino de qualidade? Os Estados devem produzir outros materiais para apoiar neste processo?
Eu faço uma avaliação positiva do PNLD, com ressalvas, pois os livros poderiam ser melhorados. Alguns erros como os que apareceram no jornal não aparecem mais nos livros didáticos porque eles não são aprovados. Eu acho que todo aluno deve ter livro didático. O livro é um objeto cultural importante na vida do aluno. A cultura escolar tem essa tradição, e é uma tradição importante.
O fato das Secretarias de Educação produzirem o seu próprio material tem um lado positivo, mas eles devem estar submissos ao PNLD. O PNLD deve avaliar se essa produção local é de boa qualidade, da mesma forma como os livros didáticos são avaliados.

 

 

 

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