agosto de 2008 - Nº 25

Medidas buscam padronizar ofício docente e conteúdo programático*

Cristiano Di Giorgio - Professor da Unesp/Presidente Prudente

As mudanças na educação paulista, anunciadas pela Secretaria de Estado da Educação de São Paulo (SEE), não foram sistematizadas em documento oficial. Da mesma forma, representantes da SEE não compareceram ao debate promovido pela Ação Educativa, em abril de 2008, para apresentá-las ou explicá-las.

Com isso, os dados, reflexões e análises do impacto das medidas sobre o “ofício docente” foram baseados nos decretos administrativos relativos ao tema, informações que circularam na imprensa, material elaborado pela SEE para “orientar” o trabalho pedagógico e, sobretudo, em relatos de profissionais da Educação.

Alterações na carreira

Ao descrever as medidas anunciadas, Aparecida Neri de Souza enfatizou que não há nada específico a respeito da carreira do professor ou do trabalho docente, mas que as medidas como um todo têm impacto significativo nesta esfera.

Com base no documento “Agenda para a Educação Pública”, organizado pela SEE em agosto de 2007, a pesquisadora identificou dez ações ou projetos anunciados como medidas inovadoras, com vistas a promover a qualidade do ensino na rede estadual. Duas ações foram destacadas: o Projeto Ler e Escrever e a política de bônus. O projeto Ler e Escrever, em síntese, articula medidas como a presença do professor auxiliar (bolsista), o material pedagógico do aluno e do professor, a avaliação bimestral dos alunos, a jornada de trabalho como carga suplementar de quatro horas semanais, entre outras.

Já a “Gestão de resultados e políticas de incentivo”, mais conhecida como a política do bônus, prevê a premiação financeira para as equipes das escolas, cujos estudantes tiverem desempenho satisfatório nos exames e os professores atenderem a determinadas condições, como “envolvimento, compromisso e responsabilidade”, que devem ser julgados pela supervisão e direção da escola, participação em programas de formação continuada oferecidos pela SEE, permanência na escola do cargo, assiduidade, entre outros.

Aparecida avaliou que as medidas partem de uma determinada concepção de “modernização”, que se identifica com a eficiência, a eficácia e a produtividade. O sentido deste projeto de modernidade está marcado sobretudo pela idéia de competição, mas também por idéias como descentralização, padronização e gerenciamento.

A profissionalização daí resultante é marcada pela lógica da empresa, em que a avaliação está ligada a resultados mensuráveis, e a organização do trabalho enfatiza as prescrições. Neste caso, as metas (mensuráreis) cumprem o papel de organizar e medir o trabalho. Ficam relegados a um plano secundário, ou mesmo à total irrelevância, as idéias da escola como lócus de produção de cultura e dos professores como intelectuais.

Outras características deste processo de “modernização” apontadas pela pesquisadora foram: a individualização; a mercantilização das relações, que considera a oferta da educação como um serviço e os estudantes e suas famílias, clientes; e a generalização das parcerias. Para ilustrar esta última característica, Aparecida citou a busca das escolas privadas de língua estrangeira para assumirem a responsabilidade pela disciplina nas escolas públicas.

Esta forma de organização resulta na diluição do projeto pedagógico da escola em meio à multiplicidade de ações pontuais, terceirizadas ou não. É um processo que flexibiliza em vários aspectos, diluindo também o trabalho docente, e, ao mesmo tempo, enfatiza a prescrição, retomando o trabalho taylorizado, com o forte controle que se dá por meio de avaliação, acompanhamento e monitoramento, que procuram sempre medir objetivamente o trabalho realizado, como preconizava Taylor.

Também se alterou o caráter da função dos coordenadores pedagógicos, que devem, a partir de agora, desempenhar o papel de vigilantes: verificar se os docentes estão realmente seguindo à risca o material da SEE. Para Aparecida, o resultado deste processo será o aumento da desorientação do docente e o efeito desta lógica é a ampliação do seu sofrimento no exercício do trabalho, e não a melhoria da qualidade de ensino.

Educação e política

A análise do resultado do conjunto de medidas citado anteriormente sobre a realidade da escola ficou por conta de José Luiz Feijó Nunes. O professor considera que a motivação da SEE foi eminentemente política, uma vez que o fraco desempenho educacional da rede pública estadual está vinculado ao grupo que governa o Estado há muitos anos. Para ele, no entanto, as ações foram baseadas em um diagnóstico totalmente equivocado, fundamentado na compreensão de que o baixo rendimento se deve essencialmente à forma de organização do sistema estadual de ensino.

Nesse contexto, a autonomia das escolas foi eleita como um dos problemas centrais. Implícita em todo o discurso da secretária Maria Helena Guimarães Castro está a idéia de que, com autonomia, os professores não trabalham direito. Não é coincidência que, na gestão do governador José Serra, já houve também tentativa de diminuir a autonomia das universidades.

Pretende-se controlar o trabalho de professores e coordenadores pedagógicos a tal ponto de os materiais de apoio e formação indicarem que os encontros pedagógicos devem começar com o coordenador desejando “Bom dia” aos professores, por exemplo.

A intenção de padronizar o conteúdo programático em toda a rede educacional também incidiu sobre as atividades desenvolvidas fora do ambiente escolar. Em uma teleconferência organizada pela SEE para explicar as mudanças aos docentes, o grupo técnico informou que não pode em hipótese alguma fugir do conteúdo prescrito pelo material didático da Secretaria da Educação.

A determinação impede, por exemplo, que o ensino de História seja baseado em pesquisas da história local – seja de um bairro, cidade ou região –, contradizendo inclusive as orientações do ensino da disciplina em vigor até o momento. Também estão proibidas atividades como visitas a teatros e museus, estudos do meio, etc., no horário de
aula. Se a escola quiser organizar atividades como estas, só poderá fazê-lo fora do horário de aula e sem nenhuma remuneração extra.

Dessa forma, pretende-se que as aulas sejam exatamente iguais em todas as regiões do Estado de São Paulo, que, como se sabe, são extremamente diferenciadas.

Ainda segundo Feijó, a mudança da grade, com perda de aulas, por exemplo, de Sociologia, Educação Artística e Geografia, em prol de mais aulas de Português e Matemática e projetos nestas áreas, visam a uma tentativa de “treinar” para os exames padronizados.

Bônus e não salário

A implantação da remuneração por bônus indica a intenção de, no médio prazo, reduzir a importância do salário na remuneração do professor, aumentando, em contrapartida, o peso do bônus – mais ou menos como a remuneração por comissão de um vendedor de sapatos.

A remuneração dos profissionais da Educação vem ocupando grande espaço no processo de divulgação das medidas da SEE. Uma das estratégias utilizadas, e exercida por meio da instrumentalização da imprensa, foi a divulgação de pesquisas que pretendem provar que os professores não são mal remunerados.

As informações são apresentadas de forma incompleta, sem explicitar o universo de referência analisado.

Assim, foram divulgadas pesquisas que comparam os salários dos doutores com profissionais que não têm nível superior. Ou então estudos que comparam os vencimentos de profissionais cuja formação é denominada de “licenciatura”, graduação em determinada área - na prática, todos atuam como professores, o que, obviamente explica a equiparação de rendimentos.

A instrumentalização da imprensa também operou para transformar o conjunto de ações da SEE como inovações positivas. Faltam informações objetivas sobre os princípios que orientaram sua formulação, assim como as condições reais de sua implantação. Também não há mecanismos para avaliar seus resultados. Ao que tudo indica, profissionais da educação, estudantes e pais mais uma vez são submetidos a um conjunto de regras sobre as quais não puderam opinar e também não terão condição de avaliar.


* Este texto reflete as exposições e debates empreendidos durante o “Seminário Mudanças na Educação Paulista: gestão, currículo e profissão docente”, na mesa “Ofício docente: o que muda”, que teve a participação de: Aparecida Néri de Souza, professora da Faculdade de Educação da Unicamp; José Luiz Feijó, professor da rede pública estadual em Diadema; e Gustavo Oliveira, repórter revista Nova Escola.

 

 

 

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