Ana Paula Corti – assessora da Ação Educativa
No âmbito das mudanças propostas pela Secretaria de
Estado da Educação de São Paulo, a partir de 2007,
ganhou destaque a elaboração das propostas curriculares,
tanto para o ciclo II do ensino fundamental (5ª à 8ª séries)
quanto para os três anos do ensino médio. No caso
específico do ensino médio, a Secretaria alterou também
a grade de disciplinas, instituindo a denominada “diversificação
curricular”.
Mas no que consiste a atual proposta?
Segundo a Resolução 92 de 19/12/2007, do Diário
Oficial paulista, fica estabelecido que o ensino médio terá
sua organização curricular orientada por dupla finalidade:
“I- Curso de sólida formação básica, que abre ao jovem
efetivas oportunidades de consolidação dos conteúdos estudados
ao longo do ensino médio, objetivando a preparação
para prosseguimento dos estudos em nível superior;
II- Curso de formação básica e profissional, centrado
no desenvolvimento de competências para o mundo produtivo
que assegura ao jovem sua inserção no mercado
de trabalho, mediante a aquisição de determinada habilitação
profissional.”
Para cumprir a finalidade I, está prevista a oferta de
seis aulas semanais de uma disciplina de apoio curricular
para o 3º ano do ensino médio, cuja função é revisar os
conteúdos trabalhados ao longo dos anos anteriores e preparar
os alunos para o ingresso no ensino superior. Já para
a finalidade II, fica prevista a oferta de cursos profissionalizantes
a alunos do 2º ano do ensino médio, em parceria
com o Centro Paula Souza.
Há apenas uma habilitação profissional oferecida para
os alunos da rede estadual em 2008, denominada “Técnico
em Gestão de Pequenas Empresas”, dividida nos módulos “assistente de planejamento”, “gerente administrativo” e “técnico em gestão de pequenas empresas”.
Como afirmou a professora Maria Sylvia Bueno, a iniciativa
de uma diversificação curricular no ensino médio é
bem-vinda, sobretudo em sua tentativa de reaproximação
com o ensino técnico e profissional, o que vem sendo fortemente
defendido por pesquisadores e ativistas da Educação,
bem como pelos próprios estudantes e jovens.
Vale lembrar que a rede paulista de escolas técnicas,
apesar de ser a maior do país, atendeu apenas 246.656
pessoas em 2007, um número baixo se comparado à população
atendida pelo ensino médio no Estado, que foi de
1.718.692 jovens.
As matrículas na educação profissional paulista vêm diminuindo
nos últimos anos, bem como as matrículas no
ensino médio regular, queda que tem como um dos fatores
explicativos, conforme a professora Maria Silvia, a dissociação
entre ensino técnico e ensino médio, decretada no governo
Fernando Henrique Cardoso (Decreto 2.208/1997).
Curioso, e lamentável, é que mesmo após revogação do citado
Decreto pelo governo Lula, em 2004, reabrindo a possibilidade
de um ensino médio integrado , o Estado de São
Paulo não promoveu nenhuma medida efetiva neste sentido.
Por que gestão de pequenas empresas?
Diante do cenário pouco favorável, em São Paulo, a
uma proposta de ensino médio integrado, as medidas recentes
da Secretaria da Educação chamam a atenção, em
princípio, pela possibilidade aberta a uma aproximação entre
ensino médio e educação profissional. No entanto, a
maneira como esta aproximação está sendo proposta e executada
no Estado vem despertando muitas dúvidas sobre a
sua capacidade de promover uma efetiva integração entre
formação para o trabalho e formação geral no ensino médio,
com a garantia da qualidade necessária.
Um primeiro questionamento foi feito por Beatriz Rey:
por que a habilitação profissional escolhida foi “Técnico em
Gestão de Pequenas Empresas”? Há indicadores mostrando
que esta é uma demanda do mercado de trabalho e ou dos
jovens que estão no ensino médio?
Para Maria Sylvia e para vários participantes do seminário,
a oferta daquele curso técnico não responde a uma demanda
real, nem do mercado de trabalho, nem da população
juvenil. Na verdade, trata-se de uma habilitação que
responde mais: 1) à precariedade da infra-estrutura das escolas,
que não dispõem de laboratórios, recursos didáticos
e materiais adequados a outras habilitações de ensino profissional
(a formação dos alunos será em regime semipresencial);
e 2) a uma concepção ideológica fortemente ligada
ao empreendedorismo, cuja visão é de que, num
mundo sem empregos, a responsabilidade por conseguir
um espaço é dos indivíduos bem como a responsabilidade
por seus fracassos.
Nesse sentido, uma vez que consigam desenvolver a
autonomia e a iniciativa empreendedora, os jovens deverão
criar suas próprias oportunidades de trabalho, que dependerão
de seus talentos individuais. Tornar-se um técnico
em gestão de pequenos negócios pode significar resignarse
diante do desemprego estrutural e ser orientado a “se virar”
no mercado de trabalho informal. Este grave risco, de
oferecer uma formação de pouca qualidade e pouco valor
social para jovens pobres, pode também ser aventado com
base na justificativa dada pela Secretaria da Educação para
a oferta deste tipo de habilitação profissional. Isso se explicaria
pela “(...) importância de oferecer aos jovens integrantes
de comunidades com significativos índices de vulnerabilidade
social e juvenil, oportunidades de
desenvolvimento de competências profissionais vinculadas
ao mundo do trabalho, da ciência e da tecnologia.”
(Resolução SE n° 12, de 31/1/2008).
De fato, em 2008, as vagas para habilitação de “técnicos
em gestão de pequenas empresas” foram distribuídas
na Região Metropolitana de São Paulo, conforme os dados
de vulnerabilidade socioeconômica produzidos pela Fundação
Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade).
Isso indica que a formação profissional está sendo pensada
pela Secretaria da Educação como uma política focalizada,
dirigida a jovens em situação de vulnerabilidade social,
o que afasta ainda mais a proposta da construção de
uma política de ensino médio integrado na perspectiva de
uma política universal, inclusiva e para todos e todas.
Segundo Maria Sylvia, “salta aos olhos que a integração
curricular proposta está longe de compor o que academicamente
se entende por ensino integrado”. Houve também
apontamentos dos participantes acerca das dificuldades enfrentadas
pelo Centro Paula Souza, parceiro responsável
pela formação profissional, para responder aos desafios de
ampliar a oferta de educação profissional para a rede estadual
de ensino médio, considerando suas atuais condições
materiais e humanas.
Retrocesso no currículo
Por fim, a elaboração das atuais propostas curriculares
para o ensino médio não indica uma aproximação das disciplinas
tradicionais, tais como História, Física, etc., com
a formação para o trabalho, o que reforça um currículo de
ensino médio dual, em que a formação geral não dialoga
com a formação profissional. Além disso, conforme apontou
Geraldo Sabino em sua análise sobre a atual proposta
curricular de História, as formulações são um retrocesso
em relação à proposta curricular de 1992 e aos Parâmetros
Curriculares Nacionais, pois retomam uma concepção
empobrecida de currículo como um conjunto de conteúdos
acadêmicos, abandonando a idéia do desenvolvimento de
habilidades, a abertura para problemas locais e sociais e a
necessidade de contextualização do conhecimento. A proposta
curricular de 2007/2008 no Estado de São Paulo estaria
mais próxima das propostas curriculares da década de
1970 (geradas a partir da Lei 5.692, de 1971, que tornou
obrigatório o ensino técnico em todas as escolas de 2º.
Grau), em que preponderava a definição centralizada de
conteúdos e a visão tecnicista do ensino.
Pela maneira centralizada e aligeirada como foram elaboradas,
essas mudanças vêm despertando muitas desconfianças,
sobretudo entre aqueles que defendem a elaboração
democrática das políticas educacionais e a garantia do
direito dos jovens à educação de qualidade. A negação do
debate público com escolas, professores, comunidades,
universidades e organizações da sociedade civil parece ser
guiada por uma crença dos gestores de que é possível fazer
educação de qualidade apesar das escolas e dos jovens,
e não com eles. Ao que parece, a atual reforma promovida
no ensino médio paulista caminha entre novos
discursos e velhas práticas.
* Este texto reflete as exposições e debates empreendidos durante o “Seminário Mudanças na Educação Paulista: gestão, currículo e profissão docente”, na mesa “Mudanças curriculares – tendência à profissionalização da educação para jovens?”, que teve a participação de: Maria Silvia Simões Bueno, professora da Unesp-Marília; Geraldo Sabino Ricardo Filho, professor da rede pública
estadual em Campinas; e Beatriz Rey, subeditora Revista Educação.
Ensino médio integrado é entendido aqui como a articulação, num mesmo estabelecimento de ensino e numa carga horária única e ampliada, da formação geral e da formação profissional de nível médio, conforme indica o Decreto 5.154 de 2004. No plano teórico, há diferentes concepções acerca da noção de ensino médio integrado, mas não será possível aprofundar o assunto neste texto.
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