agosto de 2008 - Nº 25

Profissionalização no ensino médio: novos discursos e velhas práticas?*

Ana Paula Corti – assessora da Ação Educativa

No âmbito das mudanças propostas pela Secretaria de Estado da Educação de São Paulo, a partir de 2007, ganhou destaque a elaboração das propostas curriculares, tanto para o ciclo II do ensino fundamental (5ª à 8ª séries) quanto para os três anos do ensino médio. No caso específico do ensino médio, a Secretaria alterou também a grade de disciplinas, instituindo a denominada “diversificação curricular”.

Mas no que consiste a atual proposta?

Segundo a Resolução 92 de 19/12/2007, do Diário Oficial paulista, fica estabelecido que o ensino médio terá sua organização curricular orientada por dupla finalidade:

“I- Curso de sólida formação básica, que abre ao jovem efetivas oportunidades de consolidação dos conteúdos estudados ao longo do ensino médio, objetivando a preparação para prosseguimento dos estudos em nível superior;

II- Curso de formação básica e profissional, centrado no desenvolvimento de competências para o mundo produtivo que assegura ao jovem sua inserção no mercado de trabalho, mediante a aquisição de determinada habilitação profissional.”

Para cumprir a finalidade I, está prevista a oferta de seis aulas semanais de uma disciplina de apoio curricular para o 3º ano do ensino médio, cuja função é revisar os conteúdos trabalhados ao longo dos anos anteriores e preparar os alunos para o ingresso no ensino superior. Já para a finalidade II, fica prevista a oferta de cursos profissionalizantes a alunos do 2º ano do ensino médio, em parceria com o Centro Paula Souza.

Há apenas uma habilitação profissional oferecida para os alunos da rede estadual em 2008, denominada “Técnico em Gestão de Pequenas Empresas”, dividida nos módulos “assistente de planejamento”, “gerente administrativo” e “técnico em gestão de pequenas empresas”.

Como afirmou a professora Maria Sylvia Bueno, a iniciativa de uma diversificação curricular no ensino médio é bem-vinda, sobretudo em sua tentativa de reaproximação com o ensino técnico e profissional, o que vem sendo fortemente defendido por pesquisadores e ativistas da Educação, bem como pelos próprios estudantes e jovens.

Vale lembrar que a rede paulista de escolas técnicas, apesar de ser a maior do país, atendeu apenas 246.656 pessoas em 2007, um número baixo se comparado à população atendida pelo ensino médio no Estado, que foi de 1.718.692 jovens.

As matrículas na educação profissional paulista vêm diminuindo nos últimos anos, bem como as matrículas no ensino médio regular, queda que tem como um dos fatores explicativos, conforme a professora Maria Silvia, a dissociação entre ensino técnico e ensino médio, decretada no governo Fernando Henrique Cardoso (Decreto 2.208/1997). Curioso, e lamentável, é que mesmo após revogação do citado Decreto pelo governo Lula, em 2004, reabrindo a possibilidade de um ensino médio integrado , o Estado de São Paulo não promoveu nenhuma medida efetiva neste sentido.

Por que gestão de pequenas empresas?

Diante do cenário pouco favorável, em São Paulo, a uma proposta de ensino médio integrado, as medidas recentes da Secretaria da Educação chamam a atenção, em princípio, pela possibilidade aberta a uma aproximação entre ensino médio e educação profissional. No entanto, a maneira como esta aproximação está sendo proposta e executada no Estado vem despertando muitas dúvidas sobre a sua capacidade de promover uma efetiva integração entre formação para o trabalho e formação geral no ensino médio, com a garantia da qualidade necessária.

Um primeiro questionamento foi feito por Beatriz Rey: por que a habilitação profissional escolhida foi “Técnico em Gestão de Pequenas Empresas”? Há indicadores mostrando que esta é uma demanda do mercado de trabalho e ou dos jovens que estão no ensino médio?

Para Maria Sylvia e para vários participantes do seminário, a oferta daquele curso técnico não responde a uma demanda real, nem do mercado de trabalho, nem da população juvenil. Na verdade, trata-se de uma habilitação que responde mais: 1) à precariedade da infra-estrutura das escolas, que não dispõem de laboratórios, recursos didáticos e materiais adequados a outras habilitações de ensino profissional (a formação dos alunos será em regime semipresencial); e 2) a uma concepção ideológica fortemente ligada ao empreendedorismo, cuja visão é de que, num mundo sem empregos, a responsabilidade por conseguir um espaço é dos indivíduos bem como a responsabilidade por seus fracassos.

Nesse sentido, uma vez que consigam desenvolver a autonomia e a iniciativa empreendedora, os jovens deverão criar suas próprias oportunidades de trabalho, que dependerão de seus talentos individuais. Tornar-se um técnico em gestão de pequenos negócios pode significar resignarse diante do desemprego estrutural e ser orientado a “se virar” no mercado de trabalho informal. Este grave risco, de oferecer uma formação de pouca qualidade e pouco valor social para jovens pobres, pode também ser aventado com base na justificativa dada pela Secretaria da Educação para a oferta deste tipo de habilitação profissional. Isso se explicaria pela “(...) importância de oferecer aos jovens integrantes de comunidades com significativos índices de vulnerabilidade social e juvenil, oportunidades de desenvolvimento de competências profissionais vinculadas ao mundo do trabalho, da ciência e da tecnologia.” (Resolução SE n° 12, de 31/1/2008).

De fato, em 2008, as vagas para habilitação de “técnicos em gestão de pequenas empresas” foram distribuídas na Região Metropolitana de São Paulo, conforme os dados de vulnerabilidade socioeconômica produzidos pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (Seade).

Isso indica que a formação profissional está sendo pensada pela Secretaria da Educação como uma política focalizada, dirigida a jovens em situação de vulnerabilidade social, o que afasta ainda mais a proposta da construção de uma política de ensino médio integrado na perspectiva de uma política universal, inclusiva e para todos e todas.

Segundo Maria Sylvia, “salta aos olhos que a integração curricular proposta está longe de compor o que academicamente se entende por ensino integrado”. Houve também apontamentos dos participantes acerca das dificuldades enfrentadas pelo Centro Paula Souza, parceiro responsável pela formação profissional, para responder aos desafios de ampliar a oferta de educação profissional para a rede estadual de ensino médio, considerando suas atuais condições materiais e humanas.

Retrocesso no currículo

Por fim, a elaboração das atuais propostas curriculares para o ensino médio não indica uma aproximação das disciplinas tradicionais, tais como História, Física, etc., com a formação para o trabalho, o que reforça um currículo de ensino médio dual, em que a formação geral não dialoga com a formação profissional. Além disso, conforme apontou Geraldo Sabino em sua análise sobre a atual proposta curricular de História, as formulações são um retrocesso em relação à proposta curricular de 1992 e aos Parâmetros Curriculares Nacionais, pois retomam uma concepção empobrecida de currículo como um conjunto de conteúdos acadêmicos, abandonando a idéia do desenvolvimento de habilidades, a abertura para problemas locais e sociais e a necessidade de contextualização do conhecimento. A proposta curricular de 2007/2008 no Estado de São Paulo estaria mais próxima das propostas curriculares da década de 1970 (geradas a partir da Lei 5.692, de 1971, que tornou obrigatório o ensino técnico em todas as escolas de 2º. Grau), em que preponderava a definição centralizada de conteúdos e a visão tecnicista do ensino.

Pela maneira centralizada e aligeirada como foram elaboradas, essas mudanças vêm despertando muitas desconfianças, sobretudo entre aqueles que defendem a elaboração democrática das políticas educacionais e a garantia do direito dos jovens à educação de qualidade. A negação do debate público com escolas, professores, comunidades, universidades e organizações da sociedade civil parece ser guiada por uma crença dos gestores de que é possível fazer educação de qualidade apesar das escolas e dos jovens, e não com eles. Ao que parece, a atual reforma promovida no ensino médio paulista caminha entre novos discursos e velhas práticas.

* Este texto reflete as exposições e debates empreendidos durante o “Seminário Mudanças na Educação Paulista: gestão, currículo e profissão docente”, na mesa “Mudanças curriculares – tendência à profissionalização da educação para jovens?”, que teve a participação de: Maria Silvia Simões Bueno, professora da Unesp-Marília; Geraldo Sabino Ricardo Filho, professor da rede pública estadual em Campinas; e Beatriz Rey, subeditora Revista Educação.


Ensino médio integrado é entendido aqui como a articulação, num mesmo estabelecimento de ensino e numa carga horária única e ampliada, da formação geral e da formação profissional de nível médio, conforme indica o Decreto 5.154 de 2004. No plano teórico, há diferentes concepções acerca da noção de ensino médio integrado, mas não será possível aprofundar o assunto neste texto.

 

 

 

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