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O aprendizado de Magi Freitas, coordenadora geral da Ação, em contato com as culturas juvenis

Querida Tati, estou feliz em trocar correspondência com você tendo como mote nossas trajetórias na educação popular.

Desde pequena eu pensava em ser professora, seguindo os passos da minha mãe, que foi professora primária em escola pública durante toda sua vida profissional. Cresci pensando em fazer Letras. Até que no curso Colegial (atual ensino médio), eu mudei de escola e toda minha visão de mundo virou de cabeça pra baixo. 

Era 1972 e todas as notícias que recebia mostravam um país sem conflitos, um país que só ia “pra frente”. Foi um grande choque descobrir que toda aquela imagem de harmonia se devia a uma forte censura, que eu vivia sob uma ditadura, e que ela existia para sufocar as demandas populares. Nessa nova escola, descobri que a Educação era muito mais do que escrever corretamente; que ela me permitia ler o mundo, me situar nesse mundo e experimentar diferentes formas de ser e estar nesse mundo. 

Ali descobri também a importância de vivenciar diferentes linguagens artísticas e do fazer coletivo. E passei a me interessar por política. Fui fazer Ciências Sociais, na expectativa de melhor compreender as forças e as disputas que movem a sociedade, e me envolvi intensamente com o movimento estudantil e as lutas por “liberdades democráticas”.  Nesse período, a experiência da militância me ensinou que havia muitos outros espaços educativos, para além dos muros escolares.

Formada e em busca de trabalho, surgiu uma oportunidade de dar aulas na educação de jovens e adultos (na época, ensino supletivo) e ali eu me encontrei. Tive a sorte de poder ser professora num curso que, dirigido pelo Sérgio Haddad, se construía na perspectiva da educação popular. Por meio de um trabalho essencialmente coletivo, ancorado no reconhecimento e na valorização dos saberes e da cultura das alunas e alunos – trabalhadores e nordestinos em sua grande maioria, e na promoção de um produtivo diálogo entre esses saberes e a cultura letrada, eu me tornei educadora. E a paixão pelo trabalho coletivo e pela riqueza e intensidade das interações com as e os estudantes me levaram a ali permanecer por 39 anos.

Como educadora, comecei a me inquietar com as relações tensas que se desenvolviam na escola com grande parte das e dos jovens que chegavam no curso recém saídos da escola regular. Em busca dessa resposta fui para o mestrado, cheguei nos estudos sobre Juventude e passei a integrar a equipe da Ação Educativa, que acabava de ser fundada, tendo entre seus objetivos a defesa dos direitos da Juventude.

Um de nossos primeiros eixos de trabalho era o estabelecimento de diálogo com grupos juvenis periféricos. E entre eles destacavam-se os ligados ao Hip-Hop, tanto por sua grande quantidade, como pela riqueza de questões que traziam para o debate público, denunciando o racismo e a violência policial e, muitas vezes, atuando como educadores de outros jovens. 

Foi então que realizamos um projeto que muito me marcou, intitulado Culturas Juvenis, Educadores e Escolas (1999-2001). Nele nos propusemos o desafio de estabelecer um diálogo entre jovens e educadores que pudesse resultar na construção de propostas que tornassem as escolas mais positivamente significativas para os jovens. Para tanto, e com a nossa mediação, cerca de 10 jovens integrantes de diferentes grupos juvenis (em sua maior parte, ligados ao Hip-Hop) se puseram a debater a escola, refletindo sobre suas próprias experiências e outras produções. Enquanto isso, pouco mais de 20 professores, de 7 escolas públicas, refletiam sobre a juventude. 

O diálogo começou à distância, por meio de recados e perguntas que eram transmitidos por nós, e aos poucos construímos as condições para um encontro presencial. Privilegiando as falas dos jovens, o encontro foi simultaneamente tenso e rico, oscilando da comunhão de interesses ao conflito mais agudo, até que uma dinâmica proposta pelos jovens conseguiu colocar todo mundo numa mesma roda, numa construção coletiva de diretrizes para as escolas desenvolverem projetos de aproximação com os interesses dos jovens. No ano seguinte, e a partir dessas diretrizes, algumas escolas desenvolveram experiências extremamente inovadoras, valorizando falas e iniciativas juvenis. 

O bonito dessa experiência, para mim, foi colocar o diálogo no centro do processo: entre os jovens; entre os educadores; entre jovens e educadores; entre escolas e grupos “de fora”. Todo o conhecimento foi construído de forma coletiva, e mobilizado pelas questões trazidas pelos interlocutores. Valorizou saberes produzidos por jovens, fora da escola.

Ao final, os jovens participantes do projeto produziram um belo vídeo, buscando compartilhar de forma mais ampla suas reflexões e aprendizagens e, dessa forma, inspirar outros jovens e outros educadores a refletirem e construírem outras iniciativas nesse mesmo sentido.

O vídeo se chama Além da Lousa: Culturas Juvenis, Presente! Você já o assistiu? Será que seria legal a gente programar uma exibição na Ação Educativa? Muita gente vai se divertir ao reconhecer algumas pessoas no vídeo.

E fico aqui pensando que, com toda sua produção no RAP, você deve ter muitas experiências para partilhar conosco também. Vai ser bom ouvi-la!

Saiba como foi a carta de resposta da Tati Botelho, rapper e arte-educadora no Projeto Arte na Casa: O Revide criativo da arte-educadora Tati Botelho

A primeira da série de cartas que celebram a educação popular e o 27º aniversário da Ação Educativa foi escrita por Denise Eloy: Uma carta para celebrar a educação popular e os 27 anos da Ação Educativa

Conheça também as outras trocas de cartas da comemoração:
> Entre Sérgio Haddad, Coordenador de projetos especiais da Ação, e Giselda Pereira, educadora do projeto Mude com Elas

> Entre Edneia Gonçalves, da nossa coordenação executiva, e, João Innecco, coordenador do cursinho TransFormação.

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